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Já há muito tempo que não tínhamos o amargo sabor das birras em público e do que é ter aqueles milhares de olhos julgadores a olhar e a tecer comentários, mentais ou verbais. Por regra, as pessoas já olham por serem gémeas mas gémeas com birras, então, é um circo com entrada grátis.
Nem a ida ao MacDonald's, que elas tanto adoram, minimizou isto. Nunca tinham estado tão agitadas nem tão desajustadas neste contexto. Não conseguimos fazer quase nada e empurrámos a refeição garganta abaixo e saímos. Nem as promessas de café, surpresas e etc surtiram efeito.
Os comentários no caderno de comunicação escola-casa-terapias- etc. também não tem trazido propriamente boas notícias: birras e mais birras, comportamentos quase violentos (vá lá que é somente entre elas e não envolvem outros meninos), obsessão por ser a educadora apenas a dar-lhes a comida ou a deitá-las para a sesta, sestas minúsculas de 15 minutos no máximo, disparates (colar esparguete na parede, cuspir a auxiliar, esmagar uma tangerina na cabeça da irmã, etc...), muito handflapping (nunca vi tanto handflapping como nestes últimos tempos, é quase incontrolável), uma confusão verbal de cada vez que falam.
Sinto-me triste (muito triste!!!) e muito revoltada.
Não é justo que as minhas piolhas passem por isto.
Não é justo privá-las daquelas mariquices que esta altura festiva traz: circos, saídas para o cinema, fotos no colo do Pai Natal, etc., luzes e sons porque tudo isto são estímulos a mais e funcionam como um quadro elétrico quando está demasiado sobrecarregado.
Não é justo não conseguirmos sair para locais aparentemente inofensivos, como um Jardim Botânico, porque elas correm correm correm correm e descobrem perigos que mais ninguém vê e grades demasiado largas às quais nenhuma criança presta atenção.
Não é justo estarem agora, neste preciso momento, a perder a sua festa de Natal do Jardim de Infância porque, como é a festa da freguesia, a confusão é tão gigantesca que teriam uma crise certamente.
Não é justo estarem temperaturas quase negativas na rua e elas com uma dificuldade tremenda em conseguir lidar com o calor que sentem e só quererem andar despidas e desclaças e com mangas arregaçadas.
Não é justo estarmos a passar por tudo isto, vezes sem conta, como se fosse sempre a primeira vez, e ver uma evolução rápida que depois é entrecortada com estes momentos de desaprendizagem e de desarranjo e de desevolução e nós nem sabemos o que fazer para tentar colmatar isto ou desvalorizar esta situação.
Não é justo, porra.
Não me apetece ir trabalhar. Não quero ter que ir trabalhar.
Não me apetece enfrentar crianças normais com comportamentos de má-educação e desafio e de sei-lá-mais-o-quê e ter de lidar com isso todos os dias.
Não me apetece ter que fazer ginástica diária de trabalho-casa-escola-terapia-piscina.
Não me apetece ver gente.
Não me apetece sair de casa.
Não me apetece fazer biscates.
Não quero ter gente estúpida e ignorante por perto, daquelas pessoas que dizem "adoro trabalhar com autistas de alto rendimento", "ah, coitada, é autista", "ah que engraçado, as duas são autistas", "ah, adorava conhecer o mundo de um autista", "deixa lá, isso passa".
Quero ficar em casa a mudar tudo de cima a baixo.
Quero ficar em casa a dormir interminável e ininterruptamente durante 1 semana.
Quero chorar de frustração e sentir-me muito melhor logo a seguir, com mais força para lidar com estes altos e baixos.
Quero fazer as minhas piolhas felizes.
Quero ter acesso ao mundo delas, sentir o que elas sentem, ver o nosso mundo podre e distorcido do modo que elas vêem, ser sensorial como elas para melhor as entender e ajudar.
Quero dias bons - só dias bons. E levar as minhas piolhas a conhecer o carteiro Paulo e o Pocoyo e os palermas da Vila Moleza, e o parvo do Noddy. Levá-las à vila natal em Óbidos ou Penela. Ir ao Zoo. Ir à Disney. Ir a algum lado sem ter que as segurar pela mão com tanta força com medo que fujam. Não precisar de carrinho de bebé. Não ter receio que tenham uma crise. Sentir que aquel local é seguro para elas.
Sair de vez desta ridícula montanha-russa.