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Já tivemos consulta de autismo esta semana.
Os nervos apertaram e passei algumas horas em claro, a rever o que fizemos ou o que poderíamnos ter feito, se deveríamos ter feito assim ou assado, enfim, alguma insegurança. A única certeza: seria estipulado o fim da medicação porque, a meu ver, não se justificava mais.
Chegada bem cedo, às 8h30, e apresentação na receção. Não foi preciso esperar muito porque nos chamaram pouco depois para o gabinete de enfermagem para medir, pesar e conversar um pouco. As piolhas estão mesmo altas, apesar de não parecer em número: 1,03 uma e 1,02 outra; o peso ronda os 15, 5 kg; perímetro cefálico dentro dos valores normais; tensão arterial não ocnta porque elas entram logo em pânico quando vêm aquilo e nem vale a pena tentar.
Receios e medos dos pais?, perguntava a enfermeira. "A linguagem/a fala, apesar do desenvolvimento e da evolução, ainda me parece muito infantil, o timbre da voz não mudou desde que começaram a palrar. E alguma ingenuidade: não conseguem aperceber-se quando outra criança, da mesma idade ou mais velha, está para ser agressiva ou implicativa; as piolhas continuam a insistir e não notam."
Aguardámos na sala de espera e apareceu uma voluntária para estar com as crianças, a pintar e a fazer jogos. Gostei muito desta iniciativa. Apesar de haver brinquedos e revistas para as crianças naquelas salas, das mesas coloridas e das cadeiras pequeninas igualmente cromáticas, ter algo para fazer com uma indicação é totalmente diferente. E, indiretamente, acaba por haver alguma interação e troca de turnos. Por exemplo, uma das atividades propostas era pintar, para os mais novos, e fazer desenhos livres ou orientados, para os mais velhos, e não havia lápis de cor para todos em quantidades exageradas, pelo que, se duas crianças quisessem a mesma cor, teriam que aguardar para a usar. Não houve birras, nem confusões. Fiquei muito satisfeita com este simples gesto que já faz tanto sem que nos apercebamos diretamente.
A entrada no consultório não foi o espalhafato habitual. Apesar de uma das piolhas não estar muito interessada em "ir ao doutor", mediante negociação "vamos ao doutor e depois vamos andar de bicicleta mas portas-te bem", lá acedeu. Só por essa entrada e pelo diálogo inicial "Olá. Eu estou muito miori, não pechisa de ir ao doutouí" e "Eu sou a B. e esta é a mana E., a mãe e o pai" entre outras coisitas do género, o dr. Frederico ficou logo impressionado pela positiva. Notei que ele estava sozinho, desta vez, e secretamente, agradeci esse facto pois não empatizo muito com a psicóloga que acompanha as nossas consultas nem com o tempo marcado que segue religiosamente nem com o modo seco como responde às minhas questões por muito patetas que possam ser.
Começámos por falar do percurso delas desde setembro até agora: mantêm a frequência do jardim de infância e da terapia da fala (uma vez por semana, cerca de 1h, embora nos estiquemos sempre mais), têm apoio da psicóloga da intervenção precoce 1 vez por semana cerca de 2h30 no jardim de infância, vão à piscina municipal 2 vezes por semana.
Fomos falando de questões relacionadas com o desenvolvimento delas a nível comportamental, desta sua fase de mais calma e concentração, das coisas que já conseguimos fazer em conjunto (saídas em família a pé sem as levarmos pela nossa mão, ir às compras sem as levar dentro do carrinho, fazer colagens/pinturas/jogos em conjunto com recurso a trocas de turnos, fazer refeições quase sem a nossa ajuda, fazer bolos, etc.), da diminuição da frequência de birras e da sua intensidade, da distinção clara entre uma birra normal e uma birra autista, do desaparecimento de estereotipias graves (como o magoar-se intencionalmente em casos de não controlo), da substituição de estereotipias regulativas (o arrancar cabelo passou a ser apenas um mexer numa madeixa, como que a segurar a ponta), do esforço que fazem para aprenderem e estarem bem, do trabalho da equipa, etc.
Os pais foram parabenizados pelo bom trabalho feito, mesmo que falássemos do apoio da intervenção precoce ou do jardim de infância. O pediatra foi claro quando disse que se notava que havia muito trabalho feito de casa, pelos pais, que éramos bastante assertivos e que nos dedicámos muito às piolhas.
Geneticamente falando, está tudo bem. As análises mais comuns aos genes que habitualmente falham no seu serviço têm valores normais, não há cromossomas com deficiências a mais ou a menos, estão despistadas doenças como sindroma de x-frágil. Provou-se a monozigocidade das piolhas, se bem que se nota logo, porque a análise à urina da piolha que não tirou sangue não revelou mostrou diferenças. Em caso de dúvidas, as análises seriam repetidas e faríamos novas colheitas. Acabei por me esquecer de perguntar qual o tipo de sangue delas... Não vou matar-me a questionar qual a origem. Provavelmente ambiental, não sei. Mas faria todo o percurso de gravidez e de 1ª infância da mesma maneira, de novo, só para as ter comigo, vivas e saudáveis.
Ficou a ressalva que se quisermos dar um/a mano/a às piolhas teremos que ser seguidos nas consultas de genética (bem como as piolhas quando e se quiserem ser mães - espero que sim!) e que não precisamos de esperar mais que uma semana e basta um telefonema para dar entrada do processo e sermos chamados para a primeira consulta.
As piolhas estiveram entretidas a fazer desenhos e rabiscos no seu caderno de articulação enquanto íamos conversando e, depois, estiveram a brincar com bolas de sabão com o pediatra.
Falámos dos nossos receios em relação à lingaugem e foi nisto que se verificou que, de facto, é aqui que está a grande falha. Basicamente, o nos foi dito foi que é graças à alta capacidade cognitiva das piolhas que estes desfasamentos e falhas acabarão por ser limados. Independentemente do sistema usado na terapia da fala para ajudar, interessa que, para falarem melhor mais tarde, apssem por caminhos que as crianças normais não usam: as piolhas possivelmente aprenderão a ler brevemente e isso vai auxiliá-las posteriormente a desenvolverem melhor a sua linguagem expressiva ou mesmo a utilizar a ecolália de forma contextualizada, algo que já fazem agora. Verificou-se que assim era quando raciocionámos em conjunto e vimos que aquelas repetições vagas e soltas são agora contextualizadas e com um objetivo. E nota-se bem a diferença entre uma ecolália - ainda que funcional - e uma frase dita de forma espontânea pois aquela é mais correta e verbalmente melhor articulada. Pode ser uma estratégia que elas utilizem para se auxiliriarem e melhorarem o modo como falam. Ajuda muito, independentemente do valor que se dê aos números, que o seu QI, há uns 8 meses atrás fosse de 110.
Falámos ainda do desfralde noturno que experimentaremos mal o tempo comece a aquecer, antes de pensarmos em problemas, pois há casos de enurese noturna do lado materno e paterno, com casos de camas molhadas até aos 7, 8 e 14 anos. Nada de as acordar para fazer xixi durante a noite mas sim comprar um bom reguardo e deixá-las seguir a sua experiência. Depois falaremos melhor disso.
A noção sensorial exagerada de uma das piolhas em relação ao que vê e que a enoja causando logo o vómito, deve ser obervada apenas para ver se a limita mas uma das estratégias passa por desviar o foco da atenção. Nada de preocupante pois não acho que a limite embora ache que ela leva aquilo demasiado a sério pois até a visao de carne seca a faz lembrar cocó e começa logo aos vómitos. Não tem a ver com cheiro mas sim com imagem e associação de ideias.
Brevemente, em Junho, far-se-à a avaliação de o ADOS-G (Autism Diagnostic Observation Schedule - Programa de Observação Diagnóstica do Autismo) e, nessa altura, deveremos levar um breve relatório do infantário, terapia da fala e apoio da intervenção precoce.
Antes da saída, e ainda surpreendido com o tempo que aguentaram na sala e com conversas de adultos - quase 2h -, o pediatra mostrou umas imagens desenhadas para que elas falassem do que viam. A última imagem era uma senhora a carregar um saco de maçãs que estava roto e as deixava cair enquanto uma criança as apanhava. Elas disseram que o saco estava roto, que havia maçãs no chão, que o menino ia pôr no bolso, que o chão era branco. O pediatra perguntou o que o menino ia fazer com as maçãs. Elas responderam: "vai dar à senhora para pôr no saco". Lindo!!!! São honestas :) o pediatra contou-nos que apenas 10% das crianças a quem ele mostra a imagem responde que as devolve, a maioria diz que vai comer :)
Foram-nos pedidos desenhos das piolhas para serem colocados na parede do corredor da ala das consultas de autismo.
E pronto! Saímos de lá a rebentar de orgulho das nossas piolhas, com o coração inundado de felicidade e a transbordar de gratidão, com uma sensação de leveza indescritível.
Valeu a pena cortar relações afáveis com os pais do marido.
Valeu a pena ir a todas a sessões de terapia da fala mesmo quando mal me conseguia mexer de cansaço.
Valeu a pena aprender com terapeutas, psicólogos e educadora.
Valeu a pena estudar com conta, peso e medida.
Valeu a pena levar nas orelhas do marido quando perdia o controlo.
Valeu a pena remar contra a maré e rebater as bocas parvas de toda a gente que nunca via nada e que me diziam para dar tempo ao tempo.
Valeu a pena rotular pois foi isso que me abriu portas para terapias e apoios do SNIPI senao ainda hoje estaria a embater em paredes.
Valeu a pena ser teimosa que nem uma mula e insistir para se dar tudo por tudo pelas piolhas.
Valeu a pena todas as horas dedicadas a elas.
Valeu a pena ser a mãe que sou.
Valeu a pena seguir a minha intuição e instinto. E acreditar que estava a agir corretamente quando nem sabia que era capaz da fazer fosse o que fosse.
Valeu a pena, apesar da revolta e do choro e da dor, aceitar que tenho duas filhas autistas, que nunca farão coisas como as outras crianças. Mas que farão outras.
Valeu a pena acreditar nelas.
Só me arrependo de não lhes ter dado mais ainda do meu tempo.