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Já há muito que não me lembrava de passar uns tempos tão maus, negros, azedos, irritáveis, injustos, inaceitáveis - esse género de coisa adjetivável com o que de pior nos vier à cabeça.
De um modo ou de outro, fomos todos afetados por um vírus ou um andaço ou o que lhe queiramos chamar. Não ajudou de todo ter tido as piolhas 4 (quatro!) dias inteiros aos berros e gritos e guinchos a que acrescia alguma agitação e muito, mas muito mesmo, comportamento desafiante e provocador de uma das piolhas. É o mundo das PEA a misturar-se com o nosso (ou vice-versa!) em fases de desenvolvimento que nem sabemos bem quando deveriam surgir. Depois, tal como veio, acalmou pois com tosse e febrões é complicado gritar a plenos pulmões - o que faz com que a ameaça pairante da CPCJ me bater à borta naqueles instantes se desvaneça - mas deixou as piolhas demasiado afetadas e os pais por arrasto. Não houve trabalho produtivo no infantário e acabámos por ter de ir ao serviço de urgências por duas vezes: uma para verificar se haveria otites ou não (a tolerância à dor é fantástica quando se esmurra um joelho mas é lixada de todo quando há queixas de dor internas associadas a uma linguagem que não é de todo expressiva e suficiente para se exprimir o que se sente) e fazer Raios-X aos pulmões para se saber como evitar ventilans e afins. Ambos os exames revelaram estar tudo bem.
A recuperação, no entanto, tem sido morosa. De vez em quando ainda surgem picos febris que desaparecem tal como surgem, sem necessidade de medicação, apenas um banho; durante a noite, às vezes, com um frio descomunal na rua, estão as piolhas a transpirar de tal modo que é necessário mudar a roupa; nota-se que, apesar de estarem a melhorar, ainda falta um bocado.
Ora, juntando este quadro duplo aos dias inglórios de gritos estridentes, a minha pessoa ia dando o tilt: tensão baixíssima, muitos enjoos/vómitos, dores de cabeça lancinantes, sistema solar e vizinhos bem definidos em torno da minha cabeça, suores frios. Adicione-se uma revolta contra tudo e sei lá mais o quê, um desânimo enorme, um cansaço brutal, uma vontade de não fazer nada a não ser desaparecer, um azedume cáustico.
O médico quer evitar a todo o custo antidepressivos e eu concordo. Estive anos com isso e consegui libertar-me, sem que pretenda voltar atrás. Assim, estamos a tratar da minha hipotensão (umas gotinhas 3 x ao dia, comida mais salgada para mim e 2 cafés/dia máximo - eu já ia nos 4 diários...) e compete-me a mim encontrar a energia e força do antes, apesar da ajuda farmaceutica (umas ampolas fortificantes/energéticas durante 6 semanas). Ontem notei, ainda sem qualquer medicação, que estarei bem - vá, melhor - se eu sentir que o que me rodeia também está bem. E, apesar de ter ficado sozinha com as piolhas parte de noite por causa de um trabalho inesperado do marido, correu tudo bem connosco. Sempre fiquei sozinha com elas, sem qualquer tipo de apoio, ainda elas tinham semanas de vida. Não tenho medo de arregaçar as mangas e safar-me sozinha com filhos atrás. Apesar do apoio incontestável do marido, em 80% das vezes, sou eu quem está sozinha com as piolhas em terapias, piscina, trabalhos escolares, etc devido à atividade profissional do marido. A presença do marido/pai faz-se de outros modos que nos complementam.
Ontem, as piolhas estiveram calmas e tranquilas, reagiram bem à ausência do pai - ainda que com alguma relutância porque querem o seu beijo de boas-noites, que receberam a dormir, mais tarde -, colaboraram comigo. E eu noto que, cada vez mais, funcionamos como um ciclo/círculo sensorial: se uma de nós não estiver bem, somos todas afetadas. Consegui, nesse bocadinho de tarde/noite, encontrar as forças de que precisava para me pôr a mexer e voltar a atividades tão básicas como tratar da roupa... É que, desta vez, não havia parede nem quadro nem manualidade que me fizesse querer avançar.
É culpa minha, em parte, o passar por isto porque me revolto, porque me recuso a aceitar, porque não quero ter nada a ver com deficiências, porque é injusto, porque tudo soa a castiga e punição. É culpa minha porque penso demais, porque controlo demais, porque não entendo o porquê das mentalidades obtusas que nos rodeiam. É culpa minha porque acho que o mundo dos unicórnios só existe na cabeça de uns loucos quaisquer mas sou tão louca quanto eles quando exijo nada mais que a perfeição. Mas esta sou eu. Resigno-me, trabalho, batalho, luto e não exijo nada mais que a felicidade da minha família. E se isso inclui ver tudo negro de vez em quando e dizer o que se pensa, azar. É para isso que estamos cá: eu e o meu mau-feitio, o marido e o seu péssimo-feitio e as piolhas e o seu feitiozinho danado. Uma cambada de maus-feitios, é o que é. Mas um mau-feitio que nos vai salvando. E que nos une. E que, acima de tudo, nos protege, sem passar por cima de ninguém.