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Mais um ano.
E apercebo-me de que num ano algumas atitudes mudaram mas ainda noto muita dificuldade na aceitação, dificuldades que vêm até de médicos e professores. Ainda vivemos muito (d)a ideia de que uma deficiência para ser aceite (ou ignorada ou desprezada ou whatever) tem que ser obrigatoriamente física, tem que se ver, tem que se perceber marcada no corpo. Não se aceita com a mesma naturalidade que um individuo possa ter uma deficiência que não se vê no seu corpo, e quando falamos em deficiência/desordem/patologia/doença neurológica parece que embate numa barreira e acabamos por ouvir um "mas não se nota nada" ou "ninguém diria" como se uma cicatriz no tecido cerebral ou sinapses demasiado rápidas tivessem que ser visíveis a olho nu pelo mais comum do mortal, de forma a provar que aquilo que dizemos é verdade.
Neste último ano, de 2 de abril de 2015 a 2 de abril de 2016, estive envolvida/fui mentora de workshops, pinturas de murais externos em zonas de passagem, elaboração de artigos escritos, participação em programas de televisão sobre terapia da fala e PEA, entrevistas feitas por alunos, tradutora oficial de ações de formação sobre metodologias utilizadas em individuos com autismo, participação em diversos estudos (médicos, informáticos, para aplicações), exposições, entre outros.
Não publiquei grande parte dessas informações no blog porque, além de serem extremamente pessoais e realizadas na minha localidade, algumas dessas ações pareceram-me naturalmente óbvias para realizar. Nunca escondi o orgulho e o prazer que é ser convidada para trabalhar com a equipa de terapeutas que acompanha as minhas filhas desde os seus 3 anos de idade e, quando sou apresentada a oradores e outros técnicos estrangeiros, o fazem como "esta é a M., mãe de 2 meninas com PEA, não é terapeuta mas fala e pensa como um terapeuta e compreende a nossa meta-linguagem", depois de ter passado meses de volta de traduções técnicas e de recordações ainda dolorosas onde revia as piolhas mas que me davam uma aprendizagem imensa do que podia fazer por elas e de como o fazer, de modo a complementar o melhor possível o trabalho do terapeuta... O olhar de estranheza revela depois uma admiração que me deixa muito orgulhosa do caminho pelo qual decidi enveredar, porque o bem maior por detrás de estudo e de ajuda voluntária e gratuita, está todo na evolução das minhas filhas.
Algumas dessas ações realizadas surgirão atempadamente pelos devidos canais (imprensa, net) e, no devido momento, publicarei aqui.
A nossa participação em diversos estudos é algo que considero importante pois pode abrir muitas portas a diversas áreas. Já participámos em estudos acerca de realidade aumentada relacionada com o comportamento, avaliação neuro-comportamental, aplicação motora e neurológica em jogos, só para dar uns exemplos. Nenhum destes estudos foi invasivo (não quero cá cobaias nem ratos de laboratório). Tudo o que fizemos foi falar do passado e do que nos levou a todos ao diagnóstico de autismo, análise do comportamento das piolhas relativamente a alguma situação/pessoa/objeto, como se comportam em vários níveis em brincadeira livre e em jogos informáticos. Os resultados podem ajudar na resolução de problemas que pessoas com determinados graus de PEA podem enfrentar no dia-a-dia, seja no presente ou no futuro, bem como na elaboração de ferramentas de trabalho que possam utilizar em diversos contextos.
E, apesar de não estar envolvida nessas atividades, recebo mensagens de pessoas que não conheço a mostrar-me carinhosa e orgulhosamente que, nas suas localidades, há monumentos iluminados de azul e até atividades realizadas com toda a gente da comunidade. Eu não pedi nada a estas pessoas e estas pequenas e simples atitudes, deixam-me de sorriso na cara, a sério... Há, apesar de tudo, o esforço para se passar uma mensagem. Claro que consciencializar só por si não chega, é preciso aceitar. E eu quero acreditar que se chega lá.
Infelizmente, nem tudo é assim tão claro e positivo no caminho da consciencialização para a aceitação. Eu poderia dedicar milhentos caracteres e inúmeros posts a falar de todos os momentos mas, ainda assim, iria encontrar os haters do costume e iria ter pessoas simplesmente ignorantes...
Neste último ano, e apesar de todas as provas concretas, também já fui acusada de falar de autismo sem conhecimento de causa, de inventar o diagnóstico de PEA para justificar um comportamento desaqueado, de querer enfiar autismo pelos olhos dentro de toda a gente, entre outros.
Mais grave do que tudo isto e aquilo que me levou a deixar de me dedicar de corpo e alma a questões mais visíveis a todos, foi o facto de uma professora da escola das minhas filhas, uma criatura que sabe do diagnóstico delas mas não trabalha com elas, nem deveria sequer meter-se onde não é chamada, ter gritado com as minhas filhas e o terapeuta delas em pleno meltdown. A criatura (estou a conter-me para não partir para o insulto de rua) saiu da sua sala - onde deixou cerca de 22 alunos sozinhos - para se dirigir a outra sala e desatar aos gritos com quem lá estava. Muito profissional e tolerante (leia-se a ironia e o sarcasmo, sff). A minha atitude muito muito mas mesmo muito pensada foi de total desprezo e de um aviso bem claro: à mínima falha, ao mínimo sinal de bullying e de discriminação para com as minhas filhas e aquela senhora nunca mais dará aulas com a mesma (à)vontade. Darei cabo dela. E de outros que tal.
Esta situação aconteceu 2 dias depois de ter pintado um mural numa das avenidas mais movimentadas da minha terra, com a ajuda de todas as crianças das unidades (de autismo e multideficiências do 1º ciclo), terapeutas e grafiters (um rapaz com um sobrinho com PEA, uma rapariga com doença de chron e um rapaz - o grafiter principal - em remissão de cancro). Depois de uma ação daquelas e com pessoas tão especiais por tantos tantos motivos, uma atitude destas doi mais do que esbardalhar-me pelas escadas monumentais abaixo...
Ora, tal fez-me equacionar se valeria a pena continuar a enveredar por caminhos assim, tentando forçar as pessoas a abrir os olhos. Ainda não me decidi... Talvez por isso continue a participar em tantas coisas mas com menos notoriedade. Eu não pretendo fama nem ser reconhecida; pretendo única e exclusivamente um melhor conhecimento do autismo que se traduzirá consequentemente em aceitação e compreensão. Tão simples quanto isto. Eu faço aquilo que a minha consciência me dita, de coração aberto. Irei sempre defender as minhas filhas e conciencializá-las também a elas - não para aceitarem o autismo, isso já faz parte delas - de que há todo um mundo lá fora que precisa de compreensão. Porque se calhar talvez estejamos a fazer as coisas ao contrário, sei lá...
Consciencializar é, para mim, aprender e saber aceitar.
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