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Consciencializar e aceitar

por t2para4, em 02.04.16

Mais um ano.

E apercebo-me de que num ano algumas atitudes mudaram mas ainda noto muita dificuldade na aceitação, dificuldades que vêm até de médicos e professores. Ainda vivemos muito (d)a ideia de que uma deficiência para ser aceite (ou ignorada ou desprezada ou whatever) tem que ser obrigatoriamente física, tem que se ver, tem que se perceber marcada no corpo. Não se aceita com a mesma naturalidade que um individuo possa ter uma deficiência que não se vê no seu corpo, e quando falamos em deficiência/desordem/patologia/doença neurológica parece que embate numa barreira e acabamos por ouvir um "mas não se nota nada" ou "ninguém diria" como se uma cicatriz no tecido cerebral ou sinapses demasiado rápidas tivessem que ser visíveis a olho nu pelo mais comum do mortal, de forma a provar que aquilo que dizemos é verdade.

 

 

Neste último ano, de 2 de abril de 2015 a 2 de abril de 2016, estive envolvida/fui mentora de workshops, pinturas de murais externos em zonas de passagem, elaboração de artigos escritos, participação em programas de televisão sobre terapia da fala e PEA, entrevistas feitas por alunos, tradutora oficial de ações de formação sobre metodologias utilizadas em individuos com autismo, participação em diversos estudos (médicos, informáticos, para aplicações), exposições, entre outros.

Não publiquei grande parte dessas informações no blog porque, além de serem extremamente pessoais e realizadas na minha localidade, algumas dessas ações pareceram-me naturalmente óbvias para realizar. Nunca escondi o orgulho e o prazer que é ser convidada para trabalhar com a equipa de terapeutas que acompanha as minhas filhas desde os seus 3 anos de idade e, quando sou apresentada a oradores e outros técnicos estrangeiros, o fazem como "esta é a M., mãe de 2 meninas com PEA, não é terapeuta mas fala e pensa como um terapeuta e compreende a nossa meta-linguagem", depois de ter passado meses de volta de traduções técnicas e de recordações ainda dolorosas onde revia as piolhas mas que me davam uma aprendizagem imensa do que podia fazer por elas e de como o fazer, de modo a complementar o melhor possível o trabalho do terapeuta... O olhar de estranheza revela depois uma admiração que me deixa muito orgulhosa do caminho pelo qual decidi enveredar, porque o bem maior por detrás de estudo e de ajuda voluntária e gratuita, está todo na evolução das minhas filhas.

Algumas dessas ações realizadas surgirão atempadamente pelos devidos canais (imprensa, net) e, no devido momento, publicarei aqui.

A nossa participação em diversos estudos é algo que considero importante pois pode abrir muitas portas a diversas áreas. Já participámos em estudos acerca de realidade aumentada relacionada com o comportamento, avaliação neuro-comportamental, aplicação motora e neurológica em jogos, só para dar uns exemplos. Nenhum destes estudos foi invasivo (não quero cá cobaias nem ratos de laboratório). Tudo o que fizemos foi falar  do passado e do que nos levou a todos ao diagnóstico de autismo, análise do comportamento das piolhas relativamente a alguma situação/pessoa/objeto, como se comportam em vários níveis em brincadeira livre e em jogos informáticos. Os resultados podem ajudar na resolução de problemas que pessoas com determinados graus de PEA podem enfrentar no dia-a-dia, seja no presente ou no futuro, bem como na elaboração de ferramentas de trabalho que possam utilizar em diversos contextos.

 

E, apesar de não estar envolvida nessas atividades, recebo mensagens de pessoas que não conheço a mostrar-me carinhosa e orgulhosamente que, nas suas localidades, há monumentos iluminados de azul e até atividades realizadas com toda a gente da comunidade. Eu não pedi nada a estas pessoas e estas pequenas e simples atitudes, deixam-me de sorriso na cara, a sério... Há, apesar de tudo, o esforço para se passar uma mensagem. Claro que consciencializar só por si não chega, é preciso aceitar. E eu quero acreditar que se chega lá.

 

 

Infelizmente, nem tudo é assim tão claro e positivo no caminho da consciencialização para a aceitação. Eu poderia dedicar milhentos caracteres e inúmeros posts a falar de todos os momentos mas, ainda assim, iria encontrar os haters do costume e iria ter pessoas simplesmente ignorantes...

Neste último ano, e apesar de todas as provas concretas, também já fui acusada de falar de autismo sem conhecimento de causa, de inventar o diagnóstico de PEA para justificar um comportamento desaqueado, de querer enfiar autismo pelos olhos dentro de toda a gente, entre outros.

Mais grave do que tudo isto e aquilo que me levou a deixar de me dedicar de corpo e alma a questões mais visíveis a todos, foi o facto de uma professora da escola das minhas filhas, uma criatura que sabe do diagnóstico delas mas não trabalha com elas, nem deveria sequer meter-se onde não é chamada, ter gritado com as minhas filhas e o terapeuta delas em pleno meltdown. A criatura (estou a conter-me para não partir para o insulto de rua) saiu da sua sala - onde deixou cerca de 22 alunos sozinhos - para se dirigir a outra sala e desatar aos gritos com quem lá estava. Muito profissional e tolerante (leia-se a ironia e o sarcasmo, sff). A minha atitude muito muito mas mesmo muito pensada foi de total desprezo e de um aviso bem claro: à mínima falha, ao mínimo sinal de bullying e de discriminação para com as minhas filhas e aquela senhora nunca mais dará aulas com a mesma (à)vontade. Darei cabo dela. E de outros que tal.

Esta situação aconteceu 2 dias depois de ter pintado um mural numa das avenidas mais movimentadas da minha terra, com a ajuda de todas as crianças das unidades (de autismo e multideficiências do 1º ciclo), terapeutas e grafiters (um rapaz com um sobrinho com PEA, uma rapariga com doença de chron e um rapaz - o grafiter principal - em remissão de cancro). Depois de uma ação daquelas e com pessoas tão especiais por tantos tantos motivos, uma atitude destas doi mais do que esbardalhar-me pelas escadas monumentais abaixo...

 

Ora, tal fez-me equacionar se valeria a pena continuar a enveredar por caminhos assim, tentando forçar as pessoas a abrir os olhos. Ainda não me decidi... Talvez por isso continue a participar em tantas coisas mas com menos notoriedade. Eu não pretendo fama nem ser reconhecida; pretendo única e exclusivamente um melhor conhecimento do autismo que se traduzirá consequentemente em aceitação e compreensão. Tão simples quanto isto. Eu faço aquilo que a minha consciência me dita, de coração aberto. Irei sempre defender as minhas filhas e conciencializá-las também a elas - não para aceitarem o autismo, isso já faz parte delas - de que há todo um mundo lá fora que precisa de compreensão. Porque se calhar talvez estejamos a fazer as coisas ao contrário, sei lá...

 

Consciencializar é, para mim, aprender e saber aceitar.

 

 

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publicado às 09:06

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10 comentários

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De Ana Ferreiro a 02.04.2016 às 10:41

Minha querida, tenho um orgulho imenso em ser tua amiga. Dos aspectos positivos que o autismo trouxe à minha (nossa) vida, a nossa amizade foi um deles. És um mãe de luta, de garra, uma mãe coragem mesmo quando assim não te parece. 
Devemos sempre fazer a sensibilização não só no dia de hoje, sabes bem, e nos fazemo-la sempre, nem sempre propositada, mas por vezes já por instinto. Está no nosso sangue! Quando estamos a defender as nossas crias, estamos a fazer...
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De t2para4 a 02.04.2016 às 17:28

Tenho que concordar contigo: o autismo, apesar de tudo, trouxe-nos grandes amizades e uma partilha imensa de conhecimento que só nós entendemos.
É muito bom ter-te (a ti e aos teus) na nossa vida. Obrigada por tudo!
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De Ana Ferreiro a 02.04.2016 às 17:35

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De Clara Vieira a 03.04.2016 às 00:30

Eu, que não a conheço de parte alguma a não ser do que leio aqui no seu blog, só lhe tenho a agradecer tudo o que escreve relacionado com autismo. Tenho uma menina com 4 anos que foi diagnosticada com PEA há cerca de 8 meses. Ainda antes do diagnóstico, que tardava em chegar, e com algumas pesquisas, já desconfiávamos de que seria PEA. E vim cá "bater" ao blog. De modo que agradeço-lhe mesmo toda a informação que disponibiliza e a forma "humana", pessoal e "descontraída" com que aborda/descreve este tema tão presente na sua(nossas) vida(s).
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De t2para4 a 03.04.2016 às 09:38

Eu é que agradeço por, de alguma forma, poder auxiliar, quanto mais não seja, com episódios de evolução e informações.
A forma de escrita é, em alguns casos, o "rir para não chorar"...
O nosso diagnóstico também tardou em chegar... Acredito que, no nosso e no seu caso, se deve ao facto de termos meninas. Alguns sinais, comportamentos e "sintomas" podem indicar outras desordens que não PEA mas acabamos por lá ir ter... Há um estudo - não americano eheheheh - que atenta nos diagnósticos tardios em meninas... A pior parte é sempre o sabor muito amargo que deixa aliado à sensação de tempo perdido... Parece que tudo o que fazemos é para recuperar algo que poderia ter sido feito aos 18 meses ou 2 anos - como muitas vezes acontece quando há diagnósticos mais precoces.
Muita coragem e força. Depois do diagnóstico, portas se abrirão e os acessos a terapias e apoios começam a ser mais amiúde.
Um beijinho
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De Clara Vieira a 04.04.2016 às 00:21

Já encontrei o estudo de que falou. Infelizmente acho que no nosso caso o atraso no diagnóstico foi mais por nossa culpa, dos pais. O facto de o meu marido só ter começado a falar como deve ser a partir dos 4 anos fez com que olhássemos para a nossa filha de uma forma mais relaxada "Ah ela é tão parecida com o pai, qualquer dia começa a falar" (e falava, mas de uma forma muito rudimentar quando comparada com outras crianças da idade dela). O que nos deixava com a "pulga atrás da orelha" era o facto de ela não responder quando chamada, colocar-se às vezes de parte quase num mundo só dela, não comunicar corretamente (termos muitas vezes de dizer-lhe o que responder) e outros pormenores (alguns meltdowns que só depois do diagnóstico percebemos serem característicos e não olhar nos olhos fixamente que também não sabíamos que era uma característica tão denunciadora). Tão confiantes estávamos de que ela puxava ao pai que foi necessário a educadora alertar-nos e aí acordamos "Hei, afinal isto não são coisinhas que só nós reparamos". Felizmente pelo que nos têm informado, é "leve" (não sei se é o termo mais correto) e provavelmente com as terapias e acompanhamentos corretos deverá chegar à adolescência com a PEA quase imperceptível (esperemos). De modo que, é assim, vamos aprendendo a lidar e a viver com esta "característica" dia a dia.
Mais uma vez obrigada.
(Desculpe se utilizei algum termo menos correto/apropriado. Ainda sou novata nestas andanças do autismo, PEA...)
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De t2para4 a 04.04.2016 às 07:53

Não tem que me pedir desculpa pela utilização ou não correta dos termos ehehehhehe eu nem sequer sou da área, sou apenas... mãe... Os médicos também utilizam esses adjetivos para caracterizar o grau de autismo - classifica-lo em percentagens matemáticas não é fácil.
Não se culpabilize. Há mesmo essa tendência de ir ver nos familiares próximos algo que justifique determinado comportamento ou desenvolvimento. Eu aqui tinha muito com que comparar já que sempre tomei conta de miúdos, inclusive gémeos. E havia ali algo que não batia certo, desde o início, mas acabamos por deixar andar mais um pouco a ver se passa...
o importante é, depois de dado um diagnóstico, seja ele qual for, se poder avançar e fazer ++ressão para se avançar, estar envolvido com tudo o que rodeia a criança e tentar perceber a linguagem falada e exigir que se troque por miúdos o que não percebemos. Afinal de contas, eu acho que um diagnóstico não vem só para o individuo mas também para quem o rodeia...
Muita força e siga que para a frente é que é! Beijinhos
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De Anónimo a 04.04.2016 às 00:25

Só mais um pormenor, apesar de termos "arrastado" durante um tempo, depois de ela ter começado a ser acompanhada, o diagnóstico tardou realmente a chegar.
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De Anónimo a 23.09.2020 às 14:45

Obrigada pela partilha. 
Revejo-me em praticamente todas as suas palavras e se não se opuser utilizarei algumas para me expressar pois é algo que ainda tenho dificuldade. 
Desde o infantário que sempre achei alguma coisa diferente no meu piolho mas só o ano passado, após incontáveis contatos e tentativas de perceber o que estava menos bem, depois de dizerem vezes sem conta que são tudo coisas da minha cabeça, depois de dizerem que o que lhe faltava era um bom par de estalos porque era um menino mimado, etc, é que uma professora teve a sensibilidade de olhar para ele alem de mais um aluno na aula a causar distúrbios de forma infantil. Com a sua ajuda e orientação chegámos finalmente ao diagnóstico de PEA, já ele tinha 12 anos. Um ano passado em constante aprendizagem e o piolho, agora mais alto que a mãe, já se mostra um pré-adolescente mais compreendido e por conseguinte mais calmo.  
Vou aproveitar também as suas ideias para procurar formas de interagir mais com a comunidade local e dar a "conhecer" a PEA. Se não se importar é claro... muito obrigado mais uma vez por colocar no papel tudo aquilo com o qual me identifico.
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De t2para4 a 26.09.2020 às 11:44

Olá!
lamento muito o percurso que tiveram de percorrer e todo esse desentendimento e até mesmo ataque à forma de ser do seu piolho. É sempre assim... Não se vê, não existe - a culpa é dos pais, do mimo, da falta de educação e de outros quinhentos predicados. Um diagnóstico abre portas e ajuda ao entendimento. Não é um rótulo nem uma etiqueta. Só se deixarmos que seja.
Pode usar o que precisar e desejo que encontre aceitação e disponibilidade por parte dos outros neste caminho. Precisamos de pessoas assim.
Um beijinho

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