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As piolhas já estiveram com o pediatra que as acompanha na Unidade de Autismo. Foi mais de uma hora de conversa formal e informal, avaliação informal, análise de comportamentos e muito despejar de mágoas e preocupações mas também de reforço positivo do que corre bem.
As piolhas fizeram o que quiseram e ainda mais:
- "roubaram" a caneta metálica do pediatra, juntaram-na à que vem no seu caderno de articulação e deram asas à criatividade
- fizeram desenhos nas janelas e parede
- abriram, fecharam e correram a cortina do consultório as vezes que a calha aguentou
- subiram e desceram a marquesa "n" vezes
- correram e pularam
- falaram baixo, falaram alto, gritaram, cantaram, pegaram-se, contaram segredos
- fizeram birrinha
- pediram colo
- mexeram no computador
- fizeram desenhos numa folha que arranquei do caderno
- deram beijinhos ao médico
- pediram para ir embora aí umas 20 vezes
- falaram das vindimas
- correram mais um bocado e falaram alto mais outro
- saltitaram de foco de atenção em foco tal qual transmissão de neurónios
- deitaram a cabeça no nosso colo
- enrolaram e arrancaram cabelo
Acima de tudo, estavam bem dispostas, apesar da reluctância inicial em ir ao médico. Ainda assim, esta hiperatividade toda - desta vez sem refreios/travões/admoestações/ameaças, ainda conseguiu surpreender o pediatra que me questionou acerca de ter ou não seguido as suas orientações: o aumento da dosagem da risperidona. Ao ouvir um "sim, aumentei na 5ª feira, tal como me indicou" acescentou logo que não chegava. Verificou o peso e sugeriu mais 0,25 apenas e somente daqui a uma semana, a fazer à tarde, quando regressam a casa da escola.
Referimos o medo da dependência e do zombismo mas foi-nos assegurado que para o estado atual das piolhas (comportamento, ansiedade, agitação, hiperatividade) e peso atual até poderiam tomar quase mais o dobro do que o recomendado por ele mas que, com todos nós a acompanhá-las e elas próprias a entabular estratégias, não haverá necessidade disso.
Entretanto, depois de termos falado sobre o desenvolvimento das piolhas e de termos, mais uma vez levado um murro no estomago (eu sei que não deveriamos queixar-nos mas ainda custa estarmos presos na infância interminável que as piolhas levam e ainda custa ouvir com todas as letras "é uma PEA..."), há que continuar o caminho para a frente: as piolhas são meninas perfeitamente saudáveis com um fisico normal para 5 anos, com capacidades cognitivas ao nível dos 6 mas com comportamento e maturidade comportamental de 2 ou 3 anos... E é precisamente nesta faixa etária que surgem as birras típicas em crianças típicas... Logo, este aumento das birras - que, muitas vezes, se misturam com as atípicas - advem desse atraso...
O nosso estado de cansaço deve ser tal que o médico notou logo que não temos feito mais nada nestes últimos anos que não viver em função - só e única e exclusivamente - das piolhas e aconselhou-nos algum egoismo: uma saída a dois ou individual, pequenas rotinas familiares sem os filhos, etc que nos permitam ter um elo com a realidade extra pais, extra pais de crianças autistas.
Foi bom ter o reconhecimento de que temos feito um excelente trabalho com elas - a nível de trabalho enquanto crianças com necessidades especiais e a nível de educação - e termos tido a certeza de que a equipa que nos acompanha sabe o quanto custa a nossa luta: não é fácil ter filhos gémeos, ainda para mais gémeos tão ativos como as minhas, ainda para mais gémeas autistas. Daí a importância de um stop em tudo, de vez em quando, para não acordarmos todos aos gritos e deitarmo-nos todos aos gritos - como já aconteceu. Admito que, desde há alguns meses, que isso tem vindo a falhar um pouco...
Na prática:
- as piolhas mostram-se menos elétricas do que antes e as obsessões diminuiram de intensidade (vi hoje, durante a aula de Inglês que dei no infantário que, uma das piolhas, do nada, levantou-se e foi mexer na água. Estava a divertir-se e a interagir muito bem mas teve que "ir fumar aquele cigarro"); o foco de atenção é mais controlado e distinto, favorecendo a aprendizagem.
- ainda vou notando alguns fios de cabelo perdidos mas sem a intensidade de antes
- o pai e eu já tomámos algumas doses de egoismo: saimos para almoçar fora e ir às compras (cada um na sua área de interesse) enquanto as piolhas estavam na escola e tentámos afastar a culpa de o estarmos a fazer sem elas; tentámos (eu mais do que ele) deixar de controlar tudo: as meninas estão na escola ou na terapia, ponto.
- já temos planos para fazer saídas controladas a pé (ir à descoberta da nossa serra em percursos pedestres com as piolhas, sem hipótese de escolha, ou seja, vamos e não há negociações, corra bem ou mal)
- empenhamo-nos muito mas com mais leveza; é um desafio, não tem que ser uma batalha sangrenta. O trabalho que fazemos com elas (histórias, exercícios de terapia, saídas de estudo) podem ser graduais e não precisam de correr sempre bem à primeira
Bottom line: elas precisam de tempo para elas - seja para se (des)regularem ou simplesmente correr -, nós precisamos de tempo para nós enquanto casal, eu e o marido precisamos de tempo para nós enquanto seres individuais.
E, com ou sem gestões de tempo quase milagrosas, tudo se arranja e tudo se resolve. Let's consider it a fresh start.