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Deep breath

por t2para4, em 10.01.13

Já há muito que não me lembrava de passar uns tempos tão maus, negros, azedos, irritáveis, injustos, inaceitáveis - esse género de coisa adjetivável com o que de pior nos vier à cabeça.

De um modo ou de outro, fomos todos afetados por um vírus ou um andaço ou o que lhe queiramos chamar. Não ajudou de todo ter tido as piolhas 4 (quatro!) dias inteiros aos berros e gritos e guinchos a que acrescia alguma agitação e muito, mas muito mesmo, comportamento desafiante e provocador de uma das piolhas. É o mundo das PEA a misturar-se com o nosso (ou vice-versa!) em fases de desenvolvimento que nem sabemos bem quando deveriam surgir. Depois, tal como veio, acalmou pois com tosse e febrões é complicado gritar a plenos pulmões - o que faz com que a ameaça pairante da CPCJ me bater à borta naqueles instantes se desvaneça - mas deixou as piolhas demasiado afetadas e os pais por arrasto. Não houve trabalho produtivo no infantário e acabámos por ter de ir ao serviço de urgências por duas vezes: uma para verificar se haveria otites ou não (a tolerância à dor é fantástica quando se esmurra um joelho mas é lixada de todo quando há queixas de dor internas associadas a uma linguagem que não é de todo expressiva e suficiente para se exprimir o que se sente) e fazer Raios-X aos pulmões para se saber como evitar ventilans e afins. Ambos os exames revelaram estar tudo bem.

A recuperação, no entanto, tem sido morosa. De vez em quando ainda surgem picos febris que desaparecem tal como surgem, sem necessidade de medicação, apenas um banho; durante a noite, às vezes, com um frio descomunal na rua, estão as piolhas a transpirar de tal modo que é necessário mudar a roupa; nota-se que, apesar de estarem a melhorar, ainda falta um bocado.

Ora, juntando este quadro duplo aos dias inglórios de gritos estridentes, a minha pessoa ia dando o tilt: tensão baixíssima, muitos enjoos/vómitos, dores de cabeça lancinantes, sistema solar e vizinhos bem definidos em torno da minha cabeça, suores frios. Adicione-se uma revolta contra tudo e sei lá mais o quê, um desânimo enorme, um cansaço brutal, uma vontade de não fazer nada a não ser desaparecer, um azedume cáustico. 

O médico quer evitar a todo o custo antidepressivos e eu concordo. Estive anos com isso e consegui libertar-me, sem que pretenda voltar atrás. Assim, estamos a tratar da minha hipotensão (umas gotinhas 3 x ao dia, comida mais salgada para mim e 2 cafés/dia máximo - eu já ia nos 4 diários...) e compete-me a mim encontrar a energia e força do antes, apesar da ajuda farmaceutica (umas ampolas fortificantes/energéticas durante 6 semanas). Ontem notei, ainda sem qualquer medicação, que estarei bem - vá, melhor - se eu sentir que o que me rodeia também está bem. E, apesar de ter ficado sozinha com as piolhas parte de noite por causa de um trabalho inesperado do marido, correu tudo bem connosco. Sempre fiquei sozinha com elas, sem qualquer tipo de apoio, ainda elas tinham semanas de vida. Não tenho medo de arregaçar as mangas e safar-me sozinha com filhos atrás. Apesar do apoio incontestável do marido, em 80% das vezes, sou eu quem está sozinha com as piolhas em terapias, piscina, trabalhos escolares, etc devido à atividade profissional do marido. A presença do marido/pai faz-se de outros modos que nos complementam.

Ontem, as piolhas estiveram calmas e tranquilas, reagiram bem à ausência do pai - ainda que com alguma relutância porque querem o seu beijo de boas-noites, que receberam a dormir, mais tarde -, colaboraram comigo. E eu noto que, cada vez mais, funcionamos como um ciclo/círculo sensorial: se uma de nós não estiver bem, somos todas afetadas. Consegui, nesse bocadinho de tarde/noite, encontrar as forças de que precisava para me pôr a mexer e voltar a atividades tão básicas como tratar da roupa... É que, desta vez, não havia parede nem quadro nem manualidade que me fizesse querer avançar.

 

É culpa minha, em parte, o passar por isto porque me revolto, porque me recuso a aceitar, porque não quero ter nada a ver com deficiências, porque é injusto, porque tudo soa a castiga e punição. É culpa minha porque penso demais, porque controlo demais, porque não entendo o porquê das mentalidades obtusas que nos rodeiam. É culpa minha porque acho que o mundo dos unicórnios só existe na cabeça de uns loucos quaisquer mas sou tão louca quanto eles quando exijo nada mais que a perfeição.  Mas esta sou eu. Resigno-me, trabalho, batalho, luto e não exijo nada mais que a felicidade da minha família. E se isso inclui ver tudo negro de vez em quando e dizer o que se pensa, azar. É para isso que estamos cá: eu e o meu mau-feitio, o marido e o seu péssimo-feitio e as piolhas e o seu feitiozinho danado. Uma cambada de maus-feitios, é o que é. Mas um mau-feitio que nos vai salvando. E que nos une. E que, acima de tudo, nos protege, sem passar por cima de ninguém.

 

publicado às 13:01

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3 comentários

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De Rainbow Mum a 11.01.2013 às 01:14


Querida M. tu és uma mulher excepcional e não sei como aguentas com tanta coisa às costas e consegues ser tão incrível em tudo o que fazes. És uma mãe fantástica, artista, cozinheira, decoradora, organizada... E só alguém assim consegue sobreviver no meio de tudo o que te tem acontecido. O problema? Ninguém é perfeito e todos nós vamos abaixo quando a carga é grande demais... És uma pessoa que quer sempre o melhor, que tentas fazer tudo sempre da forma mais perfeita só que isso também gera um enorme cansaço e nem sempre as circunstâncias o permitem. Sei que é difícil mas talvez tentares ter algum tempo para ti, relaxar um pouco pois tens que antes de tudo pensar em ti. No outro dia li num blog um texto que falavam sobre como as mães de meninos especiais têm que se preocupar consigo também. Falavam das máscaras de oxigénio nos aviões de dizerem sempre que se tem que colocar no adulto antes de colocar na criança. Senão o adulto não vai conseguir ajudá-la. Parece-me uma excelente metáfora.

Uma coisa que falas neste teu post é que concluis que quando estás bem as tuas piolhas ficam mais tranquila. Pois mais importante que todas as terapias do mundo para elas é de facto a pessoa mais importante da vida delas estar bem. Em 2013 se me permites dar-te um conselho, não te preocupes tanto com tudo, relaxa um pouco mais, pensa mais em ti. E tenho a certeza que essas piolhitas vão relaxar mais também.

Um beijinho grande e quero que saibas que te admiro imenso e por vezes gostava de ter um bocadinho da tua energia e vontade de fazer tanta coisa. A sério, adorava conseguir organizar-me assim, ter sempre vontade de fazer coisas com o meu piolho como fazes com as tuas, disponibilidade para gerir tudo o que geres...

Vai tudo melhorar, vais ver. Acredita só um pouco mais nisso :)
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De t2para4 a 14.01.2013 às 14:33

No outro dia li num blog um texto que falavam sobre como as mães de meninos especiais têm que se preocupar consigo também. Falavam das máscaras de oxigénio nos aviões de dizerem sempre que se tem que colocar no adulto antes de colocar na criança. Senão o adulto não vai conseguir ajudá-la. Parece-me uma excelente metáfora
.

É mesmo uma excelente metáfora e ainda bem que ela nos faz olhar para esse lado porque eu ia ser aquela que iria pôr primeiro a máscara aos filhos :) :) Sou assumidamente mãe galinha e o modo como o tenho feito, a dedicação/o empenho/a aprendizagem de tanta coisa para que o trabalho que temos tido com as piolhas seja contínuo e não quebre, tudo isso me tem esgotado a vários níveis. A perfeição que quero atingir impedem-me de descansar nas pausas... Não descarrego em cima das piolhas estas exigências, não lhes peço que façam o impossível que eu quero atingir mas ao exigi-lo para mim, sei que me vou esgotando aos poucos. 

Vou ter que tirar tempo para mim, isso é ponto assente. E vou ter que tirar tempo para desligarmos todos do trabalho seja ele qual for. No fundo, acho que nem estou a pedir nada demais, apenas gostaria de saber o que é ser-se mãe de forma natural, instintiva, sem ter que andar a pisar ovos ou a moer o juízo com o que raio terá provocado aquele comportamento ou porque razão o cabelo voltou a ser arrancado ou porque diabo passam a vida a miar de manhã à noite, durante dias a fio... Isto não acontece aos outros, acontece-nos a nós e é isso que me revolta - ainda - porque me parece algo punitivo. E enquanto eu encarar as coisas como uma punição, vou sofrer com isso, é óbvio. Mas não vou dobrar com essa facilidade. Vou continuar a tentar, a ir à luta e desistir não é sequer uma opção a considerar. Recuso-me a aceitar que o autismo me roube as filhas. Eu não aceito que tenha passado o que passei durante a gravidez e vida das piolhas para que o autismo mas leve assim só porque sim. Vou consumir-me um pouquinho mais mas vou à luta. E o pai e elas também irão à luta, na/da sua maneira. E, se às vezes, surge um cansaço ou uma crise de nervos e choradeira, talvez seja um sinal para abrandar um pouco, tipo travar antes da curva para que esta se faça com suavidade sem forçarmos o carro a uma manobra mais arriscada. E depois ir acelerando com precaução, sem atingir rotações elevadas para não esforçar o motor. Hei de lá chegar, só preciso deste momento de travagem.
Obrigada pela mensagem de força e positivismo. De coração.


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De R a 17.01.2013 às 00:48

Eu sei o que custa olharmos para quem nos rodeia com filhos "normais" e ver como a vida deles é tão fácil e tão simples. Como tudo é tão natural e claro, tão perfeito :) Mas pensa uma coisa, o autismo não vai roubar as tuas filhas. O autismo, ou lá o que isso é, esse bicho papão terrível, é uma parte integrante da personalidade delas. Ao lutares contra ele com todas as tuas forças vais estar sempre, por mais que o faças de forma inconsciente, a prejudicá-las pois elas sentem, e acredita que sim, essa tua angústia.

Eu sei que falar é fácil e que deves estar a pensar quem é esta gaja que nem sabe nada da minha vida para me estar a dar lições de moral. Acontece que sei, porque apesar de não te conhecer pessoalmente, sei perfeitamente o que estás a passar pois eu própria também passo por isso. Talvez agora menos pois desde que deixei de querer enfrentar o bicho papão, sinto que este se está a deixar domar cada vez mais. Ele é mais forte que nós, retira-nos todas as forças e pior que tudo tem o condão de nos fazer olhar para os nossos filhos e vê-lo no seu lugar. Só vemos isso, em cada estereotipia, em cada birra... Lá está ele, no lugar do rosto do nosso filho querido e que sempre desejamos. E cresce. Ui, se cresce... Cada vez mais, parece que quanto mais nos revoltamos, mais o odiamos, mais ele cresce.

Só quando decidi que o ia ignorar completamente, deixar de olhar para a sua cara é que ele começou a minguar... E acredita, está a ficar cada vez mais pequenino...Há alturas em que me esqueço que ele existe pois a pequenina pessoa que está por detrás está a crescer cada vez mais e a ocupar todo o meu campo de visão...

M., não é a lutar contra o monstro desta maneira que conseguimos derrotá-lo. O monstro alimenta-se da nossa fragilidade e suga-nos por completo e aí sim vai roubar os nossos filhos. Aliás, sinto que roubou o meu durante os últimos 3 anos e não quero que fique para sempre com ele. Os momentos que devia estar a "curtir" o meu filhote foram preenchidos com mágoa, revolta, tristeza. Até que achei que não ia a lado nenhum assim. E que ia perder o meu filhote mesmo, pois sem sentir que o aceito como é, com todos os seus defeitos e qualidades, com a sua diferença ele ia cada vez mais apresentar estereotipias, birras, etc... Podes dizer-me que não descarregas para cima das piolhas. Não é verdade, eu sei que não. Não de forma consciente mas basta eles sentirem a nossa energia, o nosso estado de espírito para devolverem na mesma moeda.

É das coisas mais difíceis do mundo, eu sei, mas se não mudamos eles não mudam e não conseguimos ser felizes nunca. Nem eles conseguem.

Eu ainda ando neste processo de aceitação. Espero um dia consegui-lo em pleno e talvez nesse dia, quando for a ver bem, o que tiver de aceitar até pode ser o menino que eu sonhava, sem qualquer problema. Ou não. Mas saberei que ele sentirá que seja o que ele for eu estou lá para o aceitar em pleno.

Um dia vou conseguir. E sei que tu também :)

Beijocas e força.

P.S. Além do mais, sei do que as tuas piolhas são capazes. E sei que esse dia vai acontecer, o dia em que o monstro vira uma formiguita tão pequenina que ninguém a vai ver :)




 

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