Creio que há uma série de noções que escapam à maioria das pessoas e, quando o meu pai não percebeu bem por que os professores estavam em greve, tentei explicar. Vamos lá por pontos.
- todos os anos sou avaliada com Muito Bom, 10 valores. A cota de Excelente não existe para os professores contratados porque, mesmo requerendo, as aulas assitidas não nos servem para nada. E todos os anos acabo com avaliaçao de Bom, porque as cotas não permitem mais de x MB para contratados. Ora, sou avaliada desde que tenho sido colocada, portanto, desde 2010 que nunca tive o Muito Bom que realmente merecia.
- tenho 10 anos de tempo de serviço efetivo - ou seja, desde que comecei a trabalhar em 2003, que todos os meus dias de trabalho em horários incompletos, completos, horas de formação (público, privado) certificada pela Direção Geral da Administração Escolar, todos somados dão cerca de 10 anos de dias de serviço e mais uns pós. Ora, se eu tivesse sido logo posicionada no local correto da carreira docente - se fosse uma progressão justa e simples -, eu deveria estar algures perto do 3º ou 4º escalão, a receber como tal, com a possibilidade de ir progredindo ao invés de continuar quase ininterruptamente como professoar contratada.
- eu, professora contratada, não posso usufruir de uma série de licenças para filhos com deficiência, nem pedir mobilidade por doença nem aproximação à área de residência, nem meia jornada, nem horários flexíveis - daí a minha insistência em concorrer apenas para a minha área geográfica próxima e para também horários incompletos e substituições.
- se eu tiver a sorte de, numa eventualidade cumprir todos os requisitos para tal, entrar em Quadro de Zona Pedagógia (QZP), hoje posso estar em Coimbra Centro mas, no ano seguinte, não havendo vaga para mim, sou obrigada a concorrer a todo o QZP, que vai até Caldas da Rainha, Pampilhosa da Serra e quase que toca já ali no distrito de Castelo Branco. Isto não me interessa minimamente. Prefiro ser contratada e trabalhar no meio da serra a 20 km de casa, em horários que muito poucos querem.
- foi muito duro para mim ter concluído o curso com a média que tirei. Fui penalizada no meu estágio profissional por preconceito da orientadora e não tive melhor nota. Estou consideravelmente bem posicionada nas listas de colocação, tenho conseguido ficar sempre em Contratação Inicial por concurso nacional, onde a minha graduação é quem me posiciona (a par com as minhas escolhas de escolas), algo que é feito a nível nacional e onde não há compadrios. Não posso aceitar que o concurso de professores - que ainda vai funcionando mais ou menos - passe de nacional a concelhio e venha por aí uma série de cunhas e fatores C e mais o diabo a sete.
- como professora contratada, dentro da plataforma de concursos, nunca sei quando estou a concorrer para uma escola com horário noturno ou protocolo com uma prisão ou que dá aulas a CEF, EFA, vocacionais ou profissionais porque estas informações não são expostas aquando do concurso. Sim, em algumas situações, acabamos por concorrer às cegas.
- Se eu entrar em QZP, algum dia, não posso subir logo de escalão, ainda que o mereça, tenha os tais Excelentes porque há cotas para o número de docentes no escalão x, y, z o que faz com que aquele docente que merece subir de escalão fique preso àquele escalão e àquele vencimento anos a fio. Sim, anos a fio.
- o salário mínimo nacional roça os 750 euros. Eu fui aumentada em 2009 nuns trocos e recebi 3 euros extra este ano. O meu índice de vencimento continua o mesmo desde 2004 e o salário pouco se alterou desde então.
- se eu entrar em QZP e precisar de utilizar Mobilidade por Doença, porque como professora do quadro a isso tenho direito (mas não como contratada) para cuidar de mim, das minhas filhas, marido ou pais, poderei ter de continuar a concorrer para longe e, ao invés de fazer 20km com um horário incompleto como faço agora, posso sujeitar-me a 50km de distância em horários pouco flexíveis.
- há duas tabelas salariais para professores profissionalizados que dão aulas, muitas vezes, nas mesmas escolas: uns têm 22h letivas semanais e outros 25h letivas semanais; uns podem usufruir de redução letiva até quase 8h, os outro só 5h; uns ganham mais do que os outros. Nunca vou entender isto e acho isto de uma injustiça atroz. E nem me venham com comparações porque eu sou professora de 1º ciclo mas também de 3º ciclo e secundário e sei muito bem do que falo.
- como professora contratada com um horário incompleto houve uma alteração injusta na declaração de dias à Segurança Social: abaixo de 15h, menos dias são declarados, ao invés de um mês inteiro como se fazia há pouco mais de 3 anos, o que, impacta diretamente no direito à atribuição de subsídio de desemprego.
- há uma estratificação desnecessária e injusta: os professores de AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular) são técnicos, o seu tempo de serviço não é contabilizado para efeitos de concurso no caso de docentes não profissionalizados e o ordenado é miserável; alguns docentes do Ensino Profissional trabalham anos, na mesma escola, a recibo verde e a fórmula de cálculo de tempo de serviço é injusta.
- termino com uma tentativa de rentabilização de professores que é colocá-los a fazer km desmesurados entre agrupamentos: por exemplo, o mesmo professor de Francês de Coimbra Oeste ir dar Francês a Góis. Ou o de Arganil ir à Lousã. Ou o de Portimão ir a Vila Real de Santo António. Se a ideia era colmatar falhas nas metrópoles, a realidade é que o país é bem mais que Lisboa centro...
Eu podia continuar mas isto já vai tão longo que receio perder-me ou enveredar por outros meandros que não conheço tão bem. É por isto que faço greve por tempos, que imprimo as notas enviadas pelo sindicato (sim, de tantos que existem e de uns supostamente tão grandes, o STOP foi o primeiro e o único a agir antes de se tomarem decisões em decreto.), que explico aos alunos porque estou na escola a trabalhar até às horas de almoço, que mostro que estou cansada de ser só mais uma roda dentada numa engrenagem que precisa de professores e não consegue assumir isso e valorizar os profissionais que tem.
Sou professora, adoro o que faço, respeito os meus alunos e quero o melhor para eles. Mas e por isso, estou em luta.