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https://t2para4.blogs.sapo.pt/meninas-no-espectro-do-autismo-338972
Este artigo acerca de sinais de autismo no feminino já foi publicado e partilhado por mim várias vezes e, várias vezes, penso nas muitas secções em que está organizado. Todas focam comportamentos e ações que mexem num ou noutro nervo/sentimento/neurónio aqui ou ali mas há algumas frases que são flagrantes e que não nos passavam sequer pela cabeça que pudessem acontecer. Uma delas, é esta “Muitas vezes mimada por outros na escola primária, mas intimidada no ensino secundário.” que se insere na categoria do social.
As piolhas sempre foram as coqueluches da turma por onde quer que tenham passado. Talvez por serem gémeas, talvez por serem as mais novinhas, talvez por serem tão engraçadas. Caraças, talvez por serem tão bonitas. A verdade é que, desde a creche que foram sempre protegidas pelas meninas e pelos meninos – sim, também havia rapazes que as protegiam e brincavam com elas. As piolhas eram crianças populares num sentido bom: eram amadas por todos, respeitadas por todos, acarinhadas por todos, protegidas por todos. Havia crianças que dedicavam o seu tempo a ensiná-las a brincar, a fazer pulseiras de macramé borrachoso, a aprender as regras de um ou outro jogo, certos rituais sociais. Todos mesmo, desde colegas, a professores, auxiliares, técnicos, terapeutas, as tinham ali num escudo protetor invisível. Até os seus pares. E, pasme-se, crianças mais velhas.
Mas, os miúdos crescem, o tempo passa, as coisas mudam – as pessoas mudam. As piolhas mudaram de escola, mudaram de ciclo de escolaridade, mudaram de professores, mudaram até de alguns colegas. E, como alunas que são agora num ciclo acima, em plena adolescência, com colegas também em plena adolescência, todos com interesses diferentes, todos com visões diferentes do mundo que os rodeia, a mudança é mais visível, quase palpável. E, aquela bolha de proteção invisível dissipou-se, aquele sentimento de valorização do que faziam desvaneceu-se, o orgulho de ter colegas tão ímpares desapareceu. “as gémeas” – só assim, “as gémeas”, sem adjetivos – passaram a ser “as gémeas autistas” ou “as miúdas estranhas”, seja lá o que isso for, como se fosse necessário ter mais epítetos para as distinguir, como se o facto de serem, possivelmente, as gémeas mais conhecidas cá da terra não fosse suficiente.
Elas também mudaram: endureceram, amadureceram mais rápido, passaram a não confiar despreocupadamente e a ter bastantes reservas nesta coisa da socialização. Porque, algures pelo caminho, algo as fez tornar-se assim… Porque era preciso demarcá-las. Era preciso acrescentar o que as distingue dos outros mas que ninguém vê. Era preciso acrescentar aquilo que as torna diferentes dos outros, como se serem gémeas idênticas não fosse já diferença dos demais. Era preciso insistir no “autistas” vezes e vezes e vezes sem conta, como se não tivessem nome ou não fossem seres individuais ou fosse isso o mais importante na sua distinção dos outros.
Era preciso demarcar a diferença – está visto.
E, aquela frase lá em cima, aquela frase que tanto me marcou quando li este artigo pela primeira vez, veio provar-se real - tão absurda e dolorosamente real.
Não precisamos que elas sejam as coqueluches da escola, não precisamos que sejam as populares da escola. Precisamos – elas precisam - é de ser aceites pelo que são, reconhecidas e tratadas pelos nomes que têm e pelo que alcançam, respeitadas pelas suas escolhas e, sim, diferenças também! Porque, já o disse várias vezes, ainda que a linha seja ténue e não haja uma fronteira palpável entre o -ismo e o não -ismo, elas são muito mais que um qualquer -ismo. Tão mais.
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