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O convite surgiu durante o mês de abril, o mês da consciencialização do autismo, por uma professora de Educação Especial que trabalha no Agrupamento de Escolas de Arganil. Com outros professores e colaboradores, promoveram imensas atividades no âmbito da semana da deficiência, com o grande intuito da promoção - redunde-se - da inclusão, da consciencialização, da aceitação.
Não precisei de preparar nada de complexo e técnico - o meu público alvo seriam alunos do secundário. Peguei numa apresentação que já tinha usado num workshop de sensibilização no ano passado e reformulei alguns diapositivos. Quando tudo ficou pronto, enviei para a organizadora responsável pela sessão de abertura da semana de trabalhos e foi aguardar o dia.
Assustou-me ter ficado de cama, os 3 dias imediatamente anteriores à palestra... O vírus que trouxe da escola deitou-me mesmo abaixo mas, com muita persistência, dieta e falta de tempo para estar doente, lá me meti a caminho no dia 26 de abril, embora fraquinha e com uma tensão arterial de rastos. Já tinha trabalhado naquela localidade há muitos anos atrás... Foi estranho fazer os mesmos caminhos, com uma missão ligeiramente diferente, desta vez.
Como cheguei muito cedo à escola, tive o prazer de tomar um chá preto - o único estimulante que pude tomar durante toda a semana - e de conhecer pessoas incríveis e os seus respetivos locais de trabalho. Pude apercerber-me que há professores fantásticos que fazem imenso pelos seus meninos, muitas vezes, acabando por se oporem a um sistema que acaba por ser aceite por ser cómodo... Senti e vi meninos felizes e completamente aceites no espaço escolar. Nada paga isto.
Aprendi muito. Pude perceber que, apesar de tudo, estamos num cantinho de céu. Nessa semana, ouvi uma notícia de sobre um grupo de pais que luta pela integração dos seus filhos com autismo na escola regular num país francófono e recebi mensagens de mães - uma no Luxemburgo e outra na Suiça - desesperadas porque, lá, nem sequer se equaciona a hipótese de os seus filhos - crianças iguais às minhas - poderem frequentar a escola regular. A partir do momento em que têm um diagnóstico, pumba!, escola dos deficientes. E sim, a designação popular é mesmo esta... Promove-se e institui-se a institucionalização. Na mesma semana em que sai um despacho normativo que suscita leituras dúbias - ou não fosse a nossa legislação quase objeto de estudo de uma Faculdade de Letras e não de Direito... Sem que ninguém o tivesse abordado, Ana Sofia Antunes, a Secretária de Estado que é cega e que não se esconde e que detesta coitadinhices, toca no assunto e refere que não quer que as crianças estejam segregadas, que, como aconteceu com ela, vão para uma escola diferente. Crianças são para estar com outras crianças, a aprenderem umas com as outras, num local comum. Só assim se promove uma aprendizagem saudável e uma inclusão natural. Parece-me óbvio... Claro que precisamos de ter vontade que o objetivo seja mesmo esse e se cumpra, que se incuta esse cumprimento nos restantes profissionais, que se aborde a temática da deficiência mais e mais e mais, sem tabus e sem "penas" e sem parvoíces. Se dá trabalho? Claro que dá! Esperavam que as coisas caíssem do céu? Nada cai do céu! Acha que uma mãe ou um pai estudou ou se preparou para ter um filho diferente? Nem pensar! É uma aprendizagm contínua; aprendemos a valorizar o que é verdadeiramente importante e a tirar verdadeiras lições de vida com quem realmente aprendeu a lidar com crianças com deficiência - seja ela de que tipo for.
Aprendi a gostar - mais ainda - de Coldplay, depois de ouvir uma adolescente com autismo clássico a tocar maravilhosamente e a expressar-se em inglês melhor do que muitos dos meus melhores alunos. E guardei todas as palavras que troquei depois com a mãe dela.
Aprendi o verdadeiro sentido da Musicoterapia. E quem é o verdadeiro musicoterapeuta e as suas abordagens. E não, lamento, um mero professor de música não pode ser musicoterapeuta só porque é músico ou é professor de música. Eu sou professora de línguas mas não sou linguista nem terapeuta da fala, see the difference?
Aprendi - e descobri, quase como se tivesse tido uma epifania no momento - que as estereotipias não têm que ser apenas visuais e motoras; também podem ser verbais e comportamentais... E atingiu-me que as piolhas não deixaram de ter estereotipias, apenas as transferiram para algo mais socialmente aceite, ainda que com reservas e que, lá está, tal como o próprio autismo, não são visíveis, logo, são um problema para entender: obsessão com o desenho e repetição extenuante de frases. Não têm acessos de handflapping mas têm outras coisas...
Aprendemos que é possível surpreender um auditório de teenagers pouco virados para estar a ouvir o que achavam que seria uma grande seca, mas que afinal, podem ser motivados e estimulados e salutarmente chamados à atenção para serem uma amostra social do que é possível fazer lá fora, na vida real, quando nos aceitamos uns aos outros na nossa plenitude.
Deixo a apresentação que usei em 2015, no workshop "O Autismo não é um bicho", e em 2016 na palestra "Descobrindo o Autismo".
Sobre nós e, basicamente o que todos fizemos, o Agrupamento de Escolas de Arganil, escreveu:
"Descobrindo o Autismo
Caminhando com passos decisivos rumo à inclusão, ao longo do presente ano letivo foram levadas a cabo algumas pequenas grandes ações no sentido da crescente sensibilização da comunidade educativa para as questões da diferença. Ainda nesse âmbito e porque acreditamos que falar com naturalidade de qualquer tipo de deficiência faz parte do processo de inclusão escolar e na comunidade, realizou-se ontem na EB 2,3 de Arganil um conjunto de atividades sob o tema “Descobrindo o Autismo”.
A iniciativa contou com a presença da Exª Srª Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Dr.ª Ana Sofia Antunes, e teve início pelas 10:30h com a sua receção pelos alunos com o Hino da Agrupamento “Força de Acreditar” e a inauguração do símbolo “Escola Amiga do AUTISMO”. De seguida os presentes foram brindados com a atuação do grupo musical da APPACDM que a todos encantou.
Dirigido a alunos do 3º ciclo e ensino secundário realizou-se um painel de comunicações sobre o tema em questão cuja abertura foi claramente enriquecida pela mensagem da Dr.ª Ana Sofia Antunes e que muito nos honrou. Para nos ajudar a conhecer um pouco melhor esta problemática e a melhor forma de intervir junto dos alunos com autismo tivemos connosco a Dr.ª Assunção Ataíde (docente de Educação Especial com largos anos de experiência junto destes alunos) e o Dr. ToZé Novais (musicoterapeuta) que nos brindou com o privilégio de assistir a um concerto delicioso, de piano e voz por parte da Beatriz Aleixo (uma menina com autismo severo). Para finalizar os trabalhos esteve presente a Dr.ª Mara Tomé (professora) mãe de 2 meninas gémeas com autismo, detentora obviamente de muita informação que só quem vivencia pode ter e que enriqueceu este espaço de partilha com um gesto interpretativo da singularidade da problemática.
A Exª Srª Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência realizou ainda uma visita aos diferentes espaços da escola, dando uma especial atenção à Sala Funcional e à Unidade de Apoio Especializado e Educação de Alunos com Multideficiência.
No período da tarde decorreu um jogo de BOCCIA com utentes da APPACDM de Arganil, que contou com a colaboração dos alunos do 9º A. Ainda durante este período um conjunto de docentes e alunos realizaram uma visita à Sala de Snoezelen da Santa Casa da Misericórdia de Arganil."
Obrigada, Eunice. Por tudo...
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