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O texto abaixo foi escrito para o "Jornal do Fundão" a convite da mãe do Diogo e, atendendo ao número de caracteres a utilizar, tive que fazer uma review. Publico aqui, na íntegra, embora o que tenha saído no jornal esta semana, não seja tão extenso.
Acrescento que, ainda esta semana, falarei da palestra de abertura da Semana da Deficiência, decorre no Agrupamento de Escolas de Arganil, para a qual fui convidada.
Às vezes, acho/acredito/sinto/sei que houve um erro imenso na nossa vida, que o diagnóstico foi um erro imenso, crasso, doloroso.
Às vezes, acho/acredito/sinto/sei que estou a exagerar e que esse diagnóstico nos permitiu perceber tanta tanta coisa e abrir-nos as portas necessárias para, pelo menos, começarmos a agir em conformidade.
Às vezes, não sei se continuarei a ter as forças necessárias para continuar a batalhar, a desbravar caminho, a exigir cumprimento de direitos…
Às vezes, sei que essa força está lá, adormecida e latente, à espera de ser estimulada para surgir.
Às vezes, fico na dúvida, sem saber se estarei a fazer um bom trabalho.
Às vezes, apercebo-me de que estou a fazer o melhor que posso, a dar o melhor de mim, sem nunca ter tido qualquer preparação prévia ou ensaio.
Às vezes, sinto que mais ninguém poderia ser a mãe que sou.
Às vezes, vou-me abaixo e digo palavrões e esconjuro o mundo e quero fugir.
Às vezes, tudo isso passa com umas lágrimas e um bom duche bem quente.
Às vezes, a vida ganha um sentido tão pleno e tão perfeito quando ouço as gargalhadas piras e genuínas das minhas filhas…
Às vezes, penso que o autismo me roubou as filhas, lhes roubou a elas o direito de terem uma vida como os seus pares.
Às vezes, penso que o autismo nos roubou o direito de sermos pais.
Às vezes, penso que, talvez, o autismo não nos tenha roubado a vida que idealizámos, apenas se tornou uma característica dela e já nem conseguimos imaginar como seria sem ele por perto.
Às vezes, penso que, se o autismo faz as minhas filhas serem os seres humanos fantásticos que são, prefiro que sejam autistas.
Às vezes, odeio o autismo e tudo aquilo que nos impôs: terapias, horas infindas de trabalho e estudo, medicamentos, exames médicos, avaliações, etc.
Às vezes, não sei como nos aguentamos.
Às vezes, não sei como nos aguentámos.
Às vezes, sei o que nos faz aguentarmo-nos.
Às vezes, não peço muito da vida.
Às vezes, exijo tudo da vida, de todos, do mundo, do universo.
Às vezes, penso que o facto de valorizarmos as pequenas coisas é do mais enervante que existe.
Às vezes, enervo-me porque parece que temos sempre de nos contentar com pouco.
Às vezes, acredito que o certo é mesmo valorizar as pequenas coisas, as pequenas grandes conquistas.
Às vezes, odeio a escola.
Às vezes, adoro o que a escola pode proporcionar a todas as crianças.
Às vezes, sou utópica e sonhadora e ainda acredito num mundo melhor.
Às vezes, sou realista demais e a realidade dói.
Às vezes, penso que, lá atrás, apesar de tudo, há uns anos, era tão mais fácil lidar com o crescimento dos filhos, com a escola, com a gestão familiar.
Às vezes, penso em dar mais irmãos às minhas filhas.
Às vezes, penso em não dar mais irmãos às minhas filhas.
Às vezes, penso que se lixe, o melhor é deixar o destino/acaso/etc decidir.
Às vezes, tenho um medo irracional, absurdo, doloroso de morrer e não poder acompanhar as minhas filhas.
Às vezes, digo para mim própria que nem de velhice morrerei e, se isso acontecer, voltarei para terminar as minhas funções.
Às vezes, sei que sou uma mãe chata, horrível, desastrosa, stressada.
Às vezes, sei que sou a melhor mãe para as minhas filhas.
Às vezes, acredito em Deus.
Às vezes, zango-me com Deus e ralho com Ele e deixo de lhe falar, fico ofendida, desligo-me.
Às vezes, procuro consolo na Sua casa e falo, não sei bem com quem, mas falo.
Às vezes, falo imenso sozinha, como uma louca.
Às vezes, calo-me.
Às vezes, apetece-me fugir de carro, com as minhas filhas comigo, numa viagem sem destino – ou até acabar o combustível.
Às vezes, sou demasiado cobarde para me fazer à estrada.
Às vezes, surpreende-me que o meu casamento tenha sobrevivido a tanta coisa.
Às vezes, sei que o meu casamento sobrevive porque é o verdadeiro amor que nos une.
Às vezes, sou ingénua.
Às vezes, sou sarcástica e irónica.
Às vezes, tenho que relembrar o mundo das minhas prioridades.
Às vezes, odeio ter que ir trabalhar e ter que deixar as minhas filhas.
Às vezes, sei que é preciso dar espaço aos filhos.
Às vezes, morro de saudades das minhas filhas, 5 minutos depois de as deixar na escola.
Às vezes, arrependo-me de não me ter feito ouvir mais cedo, mais alto.
Às vezes, sei que acabámos por alcançar o tempo perdido.
Às vezes, farto-me de ter que estar em constante adaptação.
Às vezes, apercebo-me que é isso que permite a evolução.
Às vezes, sei que nasci para ser mãe.
Às vezes não – SEI que amo as minhas filhas de uma forma incondicional, impossível de transformar em palavras.
Só preciso de ver o mundo pelos olhos delas, mais vezes, e não às vezes.
E passar essa visão aos outros, mais e mais vezes.
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