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Será a socialização sobrevalorizada?

por t2para4, em 26.09.20

A socialização é importante e é considerada característica inata do ser humano. Foi graças à capacidade social do ser humano que pudemos evoluir ao longo da nossa existência. A socialização, ao longo da nossa evolução histórica, era premissa ligada à sobrevivência da espécie. Mas, também acredito que, ao longo da evolução humana, tenhamos tido vários casos de indivíduos pouco dados a questões e rituais sociais, com pouquíssima ou nenhuma vontade de interação social e que, possivelmente, só o fariam porque dela dependia a sua sobrevivência, ou, em casos extremos, nem a isso chegava.

Já todos percebemos que o ser humano é um ser social, ok. E também já todos percebemos que podemos ter perturbações a nível social, e que o autismo, por exemplo, na sua tríade de comprometimento, engoba a componente social. Quando há uma orientação clínica que marca esta área como possível problema é comum verificarmos o aconselhamento da frequência de jardim de infância ou escola, da participação em atividades extracurriculares, da aposta em saídas mais frequentes onde seja possível a interação com outras pessoas, etc. O que se nota, logo que sai um diagnóstico de autismo, por exemplo, é uma pressão quase desenfreada na questão social.
A criança com autismo, o individuo com autismo, tem de refrear os seus impulsos (não abanes assim as mãos, não tapes as orelhas, não pules assim, não faças iiiiiiiiiiiiiiiiiiii, não guinches, não, não , não.) – impulsos estes que, muitas vezes são movimentos e gestos reguladores de ansiedade, comportamento, sensorialidade, etc. porque não são socialmente adequados.
A criança com autismo, o individuo com autismo, tem de identificar, aprender e aplicar uma série de rituais sociais que, muitas vezes (tantas vezes!) não fazem sentido e não são algo de essencial (cumprimentos físicos e próximos que envolvam o toque ou a ritualização da conversa fiada para preencher um vazio incomodativo.)
A criança com autismo, o individuo com autismo, tem de aprender a ter a iniciativa e ser um bicho social mesmo sem vontade nenhuma de cumprimentar aquela pessoa ou de usar um sorriso politicamente correto quando não se sente com disposição para isso.
E isto são meros, simples e poucos exemplos de entre todo um mundo social que é pedido a quem tem autismo que conheça e faça parte dele. Caramba, até a quem não tem autismo mas não é simplesmente uma pessoa a quem estas coisas digam algo…

E, um dia, veio o covid e um novo corona vírus. E a todos, sem exceção – incluído indivíduos com cegueira que dependem do toque -, é exigido que se abstenham de tocar no que quer que seja e se desinfetem como se fossem germofóbicos; é proibido o contacto social próximo com terceiros; há uma série de regras e normas e leis até que impedem a proximidade, que promovem o distanciamento, que – imagine-se – até impedem as expressões faciais como forma de aprendizagem de emoções visíveis. Afinal, a socialização pode estar a ser sobrevalorizada! A criança com autismo, o individuo com autismo, continua a ser aconselhado a ir à escola, ao trabalho, a cumprir as habituais rotinas MAS tudo o que se apregoava anteriormente acaba por não poder ser aplicado nos dias que correm. Bem sei que é uma situação temporária. Mas quão temporária? Um ano? Dois? Cinco? Nesse intervalo de tempo, já contradizemos a nossa cultura do toque, do beijinho matinal dado a toda a gente, do aperto de mão desenfreado a conhecidos e desconhecidos, do agora és mesmo obrigado a olhar para os meus olhos porque a minha cara está tapada (o que pode ser altamente desconfortável).

Não temos todos de ser uns party animals mas, honestamente, talvez tenhamos ao longo dos tempos, por motivos culturais ou humanos, caído em exageros. Não há qualquer sentimento de frieza ou má-educação se não cumprimentarmos toda a gente com dois beijos e apertos de mão; nem vem mal ao mundo se não conseguirmos fazer contacto ocular e não reconhecermos adequadamente expressões faciais (até porque, sejamos sinceros, quantas vezes disfarçámos uma tristeza profunda com cansaço, por exemplo?). Não reconheço qualquer maldade em quem não tem paciência nenhuma para lidar com outras pessoas e prefere estar no seu cantinho.

Sejamos francos: lidar com pessoas é muito difícil e não estou a referir-me a feitios. É preciso ter a noção básica de que todos somos diferentes e, como tal, agimos e falamos e pensamos de forma diferente e isso tem de ser tudo interpretado. Há linguagem não verbal que pode estar a dar sinais diferentes do que diz a boca. Há especificidades da linguagem e da fala e da comunicação que, por vezes, não percebemos. Temos de ser educados e corteses. E de cumprir uma data de requisitos sociais: distância adequada e confortável entre pessoas, tom e modo de voz adequado à situação, etc etc etc. para alguns de nós é algo tão natural como respirar, para outros nem tanto. E isto é difícil… Se pensarmos nos passos que seguimos é algo enorme! É muito trabalho!

E isto tudo para dizer que, neste momento, toda a importância quase desmesurada dada à socialização, parece cair por terra. O que me leva a pensar que, afinal, talvez não estejamos assim tão errados nem seja um problema tão grande quanto isso se não tivermos o “gene social” 100% ativo e sejamos 100% politicamente corretos.
E questiono: se a socialização é assim tão importante e deve começar-se desde o nascimento, por que, apesar de todas as regras de higiene e saúde, se grita aos miúdos na escola “não andem tão juntos!”, se fecham parques infantis, se proíbem ajuntamentos com mais de x pessoas, se obriga ao uso de máscara em alguns locais em idades tão baixas, se se adiam indefinidamente desportos de equipa, só para citar alguns exemplos? Não estamos todos juntos na escola? Não estamos todos s seguir as indicações dadas pela DGS? Do que tenho visto, nestas semanas, é que, daqui por anos, teremos um aumento exponencial de germofóbicos e de pessoas com perturbações obsessivo-compulsivas e hipocondríacos.

 

NÃO estou a negar o que existe – ainda estamos a viver uma pandemia; NÃO estou a desvalorizar as regras de saúde ou etiquetas recomendadas; NÃO estou promover o incumprimento de normas; NÃO se interpretem coisas que eu não escrevi nem disse – o meu foco aqui é a (des)importância da socialização.

 

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publicado às 11:45

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