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"E elas dão-se bem?"
Tentámos e esforçámo-nos muito e ainda hoje reforçamos que devem ser sempre as melhores amigas uma da outra, até porque, ninguém as compreende e entende tão bem como uma à outra. Claro que nem tudo são rainbows and butterflies - elas pegam-se forte e feio, como qualquer irmão, em qualquer relação saudável. Estranho seria se não o fizessem e eu, certamente, escreveria sobre isso :)
O engraçado é mesmo a relação de parentesco e de amizade que têm. Já saem juntas, sem os pais. Incentivamos a que o façam e até damos dicas de onde ir e do que podem fazer. Não são muito dadas a saídas à noite, com demasiados estímulos e barulhos, nem são moças de ficar a fazer sala depois de tomar um café. Ir almoçar a casa de alguém ou a um restaurante é mesmo isso: comer. E comer não é fazer sala e estar na converseta. Sinceramente, acho isto o máximo. Não dão prejuízo à casa :D
Trabalhamos cada vez na sua autonomia. Não somos de proibições tolas nem de medos absurdos e, nesta fase em que confiamos cada vez mais no que já são capazes de fazer, não faz sentido não as deixarmos dar as suas cabeçadas. Até porque, em comparação com alguns dos seus pares, são até bastante maduras para a idade e não deixa que os seus comprometimentos as impeçam de avançar.
Começamos a notar, subtilmente, uma diferença nos seus gostos: as preferências musicais mais alternativas numa e mais puras noutra; as roupas mais à millenial numa do que na outra que opta por coisas bem menos skinny; nuns dias é para serem totalmete diferentes e noutros quase iguais como gotas de água; os interesses que parecem começar a divergir e trazem outra riqueza à partilha uma com a outra; a seriedade e a criatividade com que encaram os desafios... São gémeas idênticas sim, mas tão diferentes.
"E dão-se bem contigo?"
Que remédio :P não sou a melhor amiga delas - nem faço questão, pois esse não é, de todo, o meu papel - sou a mãe delas e ajo como tal. Mas temos muitos e bons momentos de cumplicidade: quando fazemos spas capilares caseiros ou estamos no telemóvel a escolher roupas para adicionar a um carrinho que nunca será levado até à compra final ou quando combinamos saídas, por muito simples que sejam, ou quando pensamos em jantares simples que envolvam massa quando o pai está nos turnos da tarde ou quando cantamos em altos berros no carro ou até, ainda que, às vezes, com má vontade, vamos ao ioga juntas ou rimos muito com disparates que vemos no TikTok.
E, claro, também se dão muito bem com o pai. Aliás, até têm um nickname para ele que eu acho o máximo. São de uma espontaneadade muito grande com ele e confiam. E isto, a confiança que têm em nós e o saberem que podem SEMPRE contar connosco, são uma segurança enorme para elas e para nós.
Não fazemos muitos planos a longo prazo até porque, após tantos anos a levar um dia de cada vez, planear a médio e longo prazo parecem coisas muito difíceis e irreais de se fazer. Mas temos algumas ânsias que desejamos que se cumpram.
Para já, vamos vivendo um dia de cada vez, preparando-as o melhor possível para um amanhã. Depois se verá.
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A partir do momento em que não tivemos mais serviço para fazer nas escolas, eu e as piolhas, dedicámo-nos ao descanso e a outras atividades. Precisamos, merecemos e é-nos muito necessário. Porque, sem culpas, é preciso parar para recuperar e isso não é desistir, é descansar para continuar.
Então, se não trabalharam nem estudaram, que fizeram?
- mantivemos as aulas de bateria, natação e ioga e a mãe fez gazeta (lá calha, e, sinceramente, essa coisa dos semestres dá-me cabo da cabeça, portanto, a mãe fez gazeta e esteve com as filhas)
- cuidámos da gata que ficou doente, com muitos cuidados, até ter recuperado por completo
- fizemos atividades de Páscoa, programadas inteiramente pela tia
- dedicámo-nos à séria a uma spring cleaning em que nem os edredões de inverno escaparam
- mudámos algumas coisas em casa - ora, não servissem as limpezas profundas também para isso -, doámos muitas coisas e exterminámos outras tantas (como diz uma amiga nossa)
- a mãe leu muito: enquanto esperava pelas piolhas, pelas máquinas de lavar, à hora da ceia; nós desenhámos como se o mundo dependesse disso
- comemos imenso pão (ai mai godji, tanto pão que se comeu nesta casa, nestes dias), com tulicreme, manteiga, chocolate de avelã - you name it. E panquecas, que a E. já aperfeiçoou a sua técnica e agora não quer outra coisa
- experimentámos pizzas à la nossa moda com ingredientes inesperados e jantares improvisados que lembravam pequenos-almoços ingleses
- atualizámo-nos em relação a séries
- vimos flores, tirámos fotos, tentámos fazer coisas novas, íamos estragando a plastificadora e ficámo-nos pelo que é simples
- voltámos a tentar conduzir e fazer manobras simples
- repetimos rituais em lugares sagrados, mesmo não sendo religiosas, mas sempre com respeito e saber-estar
- fomos a festas
- pegámo-nos como se pegam os irmãos e ouvimos ralhetes dos pais
- dormimos até mais tarde e a mãe fez sestas
- voltámos a jantar em tabuleiros nos sofás da sala (com muuuuuito cuidado)
- apanhámos secas porque a mãe assim o exige e porque parece que a vida real também
- houve cenas de gaja com cera por todo o lado, pinças e vernizes
No fundo, fizemos imenso mas nada relacionado com a escola. E, no fundo, sabia bem mais uma semana...
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A maternidade custa muito e dá muito trabalho. Ser-se mãe ou pai de crianças com necessidades específicas acresce um outro nível de trabalho ao já existente. Não é à toa que, muitos estudos acabam por encontrar níveis de stress equivalentes aos do Síndroma de Stress Pós-Traumático ( https://www.ptsduk.org/causes-of-ptsd-caring-for-a-child-with-a-complex-medical-condition-or-disability/ ou https://encyclopedia.pub/entry/2120 por exemplo), em cuidadores de crianças com algum tipo de deficiência. Viver em família é difícil; viver em comunidade, então, é um desafio constante.
O nosso diagnóstico de autismo é aberto a todos, ou seja, nunca foi segredo, as próprias autistas sabem o que lhes calhou no jogo da lotaria genética/epigenética/ambiental, a escola tem acesso aos relatórios em como técnicos e outros que deles necessitem para um trabalho apropriado. Nunca omitimos informações alusivas ao autismo, sempre seguimos as indicações de tratamento e acompanhamento, fizemos os testes necessários para despiste genético (dentro do que a medicina, na altura, dispunha - agora não faz sentido repetir, anexando mais marcadores, pois sabemos que será genético multiplex, visto haver mais casos na família), sempre proporcionámos as adequações necessárias para que as piolhas pudessem chegar mais longe (psicomotricidade, natação, aulas de música, etc.), sempre viajámos com elas, propusemos vivências que permitissem e potenciassem o seu desenvolvimento.
E, desde bebés, mesmo sem sabermos que havia ali uma perturbação do desenvolvimento, elas acompanhavam-nos para todo o lado. E, apesar de, neste momento, já estarmos num nível muito à frente, ainda o fazemos, porque sim, porque elas gostam e querem, porque é assim que fazemos. Quantas vezes, depois de percorrermos centenas de km e de termos feito a preparação, mostrado o itinerário, falado do que faríamos, havia um ou outro imprevisto e lá se ia a nossa viagem pelo cano... Vinha o descontrolo, a ansiedade, as birras, o choro, a negociação, a chantagem, a espiral de desespero e as ameaças "nunca mais voltamos a sair juntos" ou "não volto a sair com vocês"... E, na próxima vez, fazíamos tudo de novo e lá tentávamos mais uma vez, sempre a insistir, sempre a levá-las, sempre a arriscar.
Hoje, ainda que a ansiedade do desconhecido tente espreitar, já não impera e conseguimos ir cada vez mais longe e até alterar planos no último instante ou já na viagem e elas lidam muito bem com isso, desde que bem explicado. Conseguem sair comigo e ir a um restaurante, a um café, a uma festa e conviver (à sua maneira) com quem está presente e tenho de ser eu a "empurrá-las" para irem e arriscarem a estar sem mim ali ao lado, podem estar sozinhas, numa situação social.
Era sobejamente criticada por as levar para todo o lado comigo, às vezes, ainda no carrinho porque fugiam e não tinham noção do perigo, ou bem agarradas à minha mão, uma de cada lado: às compras, fazer pagamentos, a repartições públicas, a reuniões, a aviar recados, etc. Os avós ficavam com elas, claro, sempre que necessário, mas também era preciso este treino de competências e que deu frutos: hoje conseguem gerir os estímulos e tolerar muitas situações, sabem fazer alguns exercícios simples de antecipação (jogo da mente) e até serem autónomas em muitas decisões e tarefas. O esforço, o sacríficio por que passámos resultou e as bocas que nos mandaram resvalaram na couraça da nossa indiferença e veem-se hoje desfeitas. Nunca tive vergonha das minhas filhas - pasme-se, nunca tive vergonha do autismo. Tenho é vergonha de quem foi ignorante a ponto de sugerir isolamento e de se meter onde não era chamado.
O caminho que percorremos até agora foi feito com curvas e contracurvas, com muito custo, muito trabalho, a desbravar acessos, a reivindicar melhorias, a fazê-lo com as nossas próprias mãos (tantas vezes, sozinhos). Não me arrependo nem um minuto do que fizemos até agora. E não pararei nunca, exceto se elas mo pedirem. Até lá, seremos sempre a retaguarda delas, a defesa delas, o resguardo delas. E não as esconderemos do mundo. O mundo também é delas.
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Foi sugerido às piolhas, por amigos, que contactassemos os Coldplay explicando que não conseguimos bilhetes para nenhum dos concertos apesar de vivermos aqui ao lado quase, apelando ao lado inclusivo da banda, expusessemos a condição de autistas delas e justificando que elas gostam das suas músicas.
Falei com elas e elas, mais uma vez, mostram que são maiores que este mundo.
"Mãe, nós sabíamos que podia ser difícil conseguir bilhete e não faz mal não termos conseguido. Nós queríamos ter comprado pelas vias habituais, como nós tentámos e tu foste para a fila. Não queremos usar o autismo para passar à frente de ninguém e não queremos ser injustas. Vamos ter outras oportunidades, está tudo bem."
Quem tem as melhores filhas do mundo, quem é? Ah pois é bebé! Estas miúdas são qualquer coisa! Palminhas para nós e para elas e palmadinhas no ombro!
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