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Estes 6 meses envelheceram-nos bastante. Temos, ambos, bem mais cabelos brancos (a ponto de até as miúdas referirem isso…) e rugas. Estamos, também, mais cansados e com muito menos paciência para tolerar certas coisas e damos por nós a apreciar, cada vez mais, algumas das atitudes da Gen-Z (e nem estamos a falar das meias puxadas até às canelas).
Além do regresso a terapias extremamente necessárias, que requerem tempo, espaço e espera, temos também estudado, dentro do possível, o amanhã delas. O que poderemos fazer, como poderemos prepará-las, que ferramentas e apoios lhes poderemos dar, que caminhos lhes poderemos indicar, que portas lhes poderemos abrir, até onde poderemos guiá-las, quando será a altura mais adequada para as largar – sabendo, sempre mas sempre, que têm uma casa e um colo para onde voltar e que será sempre delas. A maioridade não tarda aí… E queremos apostar na autonomia, independência e capacidades delas – porque, que ninguém duvide, elas são capazes, elas são competentes.
Há um leque relativamente vasto de opções que poderão abraçar e cuja decisão (que não tem de ser final) terá sempre o nosso apoio incondicional. Somos uns pais consideravelmente abertos a outras possibilidades de vida pós-ensino secundário e sabemos que elas (e muitos miúdos neurotípicos) são muito jovens (e imaturos) para tomar decisões para o resto da vida e que, ali naquele momento, se revelam infrutíferas, dispendiosas e desvalorizadas depois. Há tempo.
Sentimos alguma pressão social mas também sabemos o que temos em casa e como somos – fruto das nossas vivências e já larga experiência, em grande parte. Por isso, sabemos o que fazer nesta fase e como as apoiar.
Para elas, ainda que na forma de estágio, o mundo do trabalho não é novidade. Há tarefas, horários, diferentes regimes laborais, burocracia qb e gestão pessoal quer do trabalho em si quer do tempo despendido. Isto é, claramente, aprendizagem. E muito valorizado por nós. E, para além disso, também há a gestão doméstica: que tarefas fazer, quando, com que frequência, como, etc. E, quer para elas quer para nós, é um “trabalho” contínuo (não só o raio das domesticidades mas este tipo de pré-pré-preparação para um melhor amanhã).
Esta fase tem tanto de maravilhoso como de assustador. Porque o amanhã – que não dominamos e não conseguimos prever e antecipar – pode sê-lo: maravilhoso e assustador. Eles crescem e o ninho fica vazio, dizem. Nós esperamos que esse indicador se verifique no nosso ninho. Até lá, olhem, rugas e cabelos brancos.
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Este ano estou numa escola nova (depois de uma pequena vida noutra) e os alunos são qualquer coisa de bom, a sério. E são muito curiosos e, claro, mesmo durante as aulas, enquanto nos organizamos (cadernos, livros, o meu computador, etc.), conversamos. Gosto muito deste pequeno "ritual" que ninguém criou e que surgiu espontaneamente. Creio que é bom para todos. Adiante. A certa altura, expliquei que estava à espera de um telefonema importante da escola das minhas filhas e que, por isso, eles ficariam a trabalhar um pouquinho enquanto eu atendia (explico sempre o porquê de eu estar disponível no telemóvel pessoal, sempre). E segue-se um pequeno momento:
"Que idade têm as tuas filhas?" - 16 anos
"Quantas filhas tens?" - duas
"As duas com 16 anos?" - Sim
"Ah, são gémeas?" - sim (eu tenho, este ano, 3 pares de gémeos 😃 adoro)
"São gémeas verdadeiras?" - Sim, são.
"E tu não te enganas a distingui-las?" "Oh, E. claro que não! A teacher é a mãe!" (não lhes disse que, se calhar, no meio da loucura extrema de noites sem dormir e fraldas e gritos quando tinham meses de vida, deveremos ter trocado uma pela outra...)
"E não tens mais filhos?" Não. E agora já estou um bocadinho velha para isso...
"Olha, teacher, a minha mãe ia ter 3 filhos mas o do meio não nasceu..."
"Também aconteceu isso à minha mãe. Eu podia agora ter mais irmãos mas a gravidez não avançou"
Sim, às vezes, com ou sem motivos, isso acontece. Também me aconteceu. Dói mas estamos aqui. Vamos trabalhar um bocadinho? Ok, let's go.
E serve esta conversa toda para quê? Para partilhar o que eles partilharam comigo: a perda gestacional de que, felizmente, cada vez mais se fala e cujo acontecimento deve ser sensibilizado. Acontece e tantas vezes nem sequer há uma justificação para isso... O que me surpreendeu mais foi o facto de os meus meninos terem conhecimento do que se passou com as suas mães, tal como as minhas filhas têm conhecimento de que, durante a minha gravidez delas estiveram sempre acompanhadas por uma bolsa vazia e que, em 2016, houve um bebé que não se formou. E isto é confiar, ensinar e sensibilizar, é envolver todos. A seriedade com que partilharam este momento tão íntimo e doloroso mostra que, apesar da sua idade, sabem do que falam e que doeu aos pais (se calhar, ainda hoje dói); mostra que não há vergonha em dizer que aconteceu e que acontece com imensas mulheres; mostra que os tempos estão realmente a evoluir e que se encara a perda gestacional, independentemente de quando acontece, como uma perda em que há dor e um luto a fazer; mostra que um filho nunca é substituível e todos entram na família; mostra que há ali um sentimento de amor da parte de todos; mostra que se fala abertamente da realidade.
Quando eu digo que ensino crianças (e que até é a faixa etária que prefiro) mas que também aprendo muito com elas, poucos acreditam. Mas é a mais pura das verdades. Esta semana aprendi, com eles, que a resiliência infantil vai muito para além do que possa acontecer diretamente com eles próprios e que os momentos de partilha (de parte a parte) são também uma pequenina parte do processo ensino-aprendizagem. É uma relação de dar e receber, sempre.
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"E elas dão-se bem?"
Tentámos e esforçámo-nos muito e ainda hoje reforçamos que devem ser sempre as melhores amigas uma da outra, até porque, ninguém as compreende e entende tão bem como uma à outra. Claro que nem tudo são rainbows and butterflies - elas pegam-se forte e feio, como qualquer irmão, em qualquer relação saudável. Estranho seria se não o fizessem e eu, certamente, escreveria sobre isso :)
O engraçado é mesmo a relação de parentesco e de amizade que têm. Já saem juntas, sem os pais. Incentivamos a que o façam e até damos dicas de onde ir e do que podem fazer. Não são muito dadas a saídas à noite, com demasiados estímulos e barulhos, nem são moças de ficar a fazer sala depois de tomar um café. Ir almoçar a casa de alguém ou a um restaurante é mesmo isso: comer. E comer não é fazer sala e estar na converseta. Sinceramente, acho isto o máximo. Não dão prejuízo à casa :D
Trabalhamos cada vez na sua autonomia. Não somos de proibições tolas nem de medos absurdos e, nesta fase em que confiamos cada vez mais no que já são capazes de fazer, não faz sentido não as deixarmos dar as suas cabeçadas. Até porque, em comparação com alguns dos seus pares, são até bastante maduras para a idade e não deixa que os seus comprometimentos as impeçam de avançar.
Começamos a notar, subtilmente, uma diferença nos seus gostos: as preferências musicais mais alternativas numa e mais puras noutra; as roupas mais à millenial numa do que na outra que opta por coisas bem menos skinny; nuns dias é para serem totalmete diferentes e noutros quase iguais como gotas de água; os interesses que parecem começar a divergir e trazem outra riqueza à partilha uma com a outra; a seriedade e a criatividade com que encaram os desafios... São gémeas idênticas sim, mas tão diferentes.
"E dão-se bem contigo?"
Que remédio :P não sou a melhor amiga delas - nem faço questão, pois esse não é, de todo, o meu papel - sou a mãe delas e ajo como tal. Mas temos muitos e bons momentos de cumplicidade: quando fazemos spas capilares caseiros ou estamos no telemóvel a escolher roupas para adicionar a um carrinho que nunca será levado até à compra final ou quando combinamos saídas, por muito simples que sejam, ou quando pensamos em jantares simples que envolvam massa quando o pai está nos turnos da tarde ou quando cantamos em altos berros no carro ou até, ainda que, às vezes, com má vontade, vamos ao ioga juntas ou rimos muito com disparates que vemos no TikTok.
E, claro, também se dão muito bem com o pai. Aliás, até têm um nickname para ele que eu acho o máximo. São de uma espontaneadade muito grande com ele e confiam. E isto, a confiança que têm em nós e o saberem que podem SEMPRE contar connosco, são uma segurança enorme para elas e para nós.
Não fazemos muitos planos a longo prazo até porque, após tantos anos a levar um dia de cada vez, planear a médio e longo prazo parecem coisas muito difíceis e irreais de se fazer. Mas temos algumas ânsias que desejamos que se cumpram.
Para já, vamos vivendo um dia de cada vez, preparando-as o melhor possível para um amanhã. Depois se verá.
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A partir do momento em que não tivemos mais serviço para fazer nas escolas, eu e as piolhas, dedicámo-nos ao descanso e a outras atividades. Precisamos, merecemos e é-nos muito necessário. Porque, sem culpas, é preciso parar para recuperar e isso não é desistir, é descansar para continuar.
Então, se não trabalharam nem estudaram, que fizeram?
- mantivemos as aulas de bateria, natação e ioga e a mãe fez gazeta (lá calha, e, sinceramente, essa coisa dos semestres dá-me cabo da cabeça, portanto, a mãe fez gazeta e esteve com as filhas)
- cuidámos da gata que ficou doente, com muitos cuidados, até ter recuperado por completo
- fizemos atividades de Páscoa, programadas inteiramente pela tia
- dedicámo-nos à séria a uma spring cleaning em que nem os edredões de inverno escaparam
- mudámos algumas coisas em casa - ora, não servissem as limpezas profundas também para isso -, doámos muitas coisas e exterminámos outras tantas (como diz uma amiga nossa)
- a mãe leu muito: enquanto esperava pelas piolhas, pelas máquinas de lavar, à hora da ceia; nós desenhámos como se o mundo dependesse disso
- comemos imenso pão (ai mai godji, tanto pão que se comeu nesta casa, nestes dias), com tulicreme, manteiga, chocolate de avelã - you name it. E panquecas, que a E. já aperfeiçoou a sua técnica e agora não quer outra coisa
- experimentámos pizzas à la nossa moda com ingredientes inesperados e jantares improvisados que lembravam pequenos-almoços ingleses
- atualizámo-nos em relação a séries
- vimos flores, tirámos fotos, tentámos fazer coisas novas, íamos estragando a plastificadora e ficámo-nos pelo que é simples
- voltámos a tentar conduzir e fazer manobras simples
- repetimos rituais em lugares sagrados, mesmo não sendo religiosas, mas sempre com respeito e saber-estar
- fomos a festas
- pegámo-nos como se pegam os irmãos e ouvimos ralhetes dos pais
- dormimos até mais tarde e a mãe fez sestas
- voltámos a jantar em tabuleiros nos sofás da sala (com muuuuuito cuidado)
- apanhámos secas porque a mãe assim o exige e porque parece que a vida real também
- houve cenas de gaja com cera por todo o lado, pinças e vernizes
No fundo, fizemos imenso mas nada relacionado com a escola. E, no fundo, sabia bem mais uma semana...
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A maternidade custa muito e dá muito trabalho. Ser-se mãe ou pai de crianças com necessidades específicas acresce um outro nível de trabalho ao já existente. Não é à toa que, muitos estudos acabam por encontrar níveis de stress equivalentes aos do Síndroma de Stress Pós-Traumático ( https://www.ptsduk.org/causes-of-ptsd-caring-for-a-child-with-a-complex-medical-condition-or-disability/ ou https://encyclopedia.pub/entry/2120 por exemplo), em cuidadores de crianças com algum tipo de deficiência. Viver em família é difícil; viver em comunidade, então, é um desafio constante.
O nosso diagnóstico de autismo é aberto a todos, ou seja, nunca foi segredo, as próprias autistas sabem o que lhes calhou no jogo da lotaria genética/epigenética/ambiental, a escola tem acesso aos relatórios em como técnicos e outros que deles necessitem para um trabalho apropriado. Nunca omitimos informações alusivas ao autismo, sempre seguimos as indicações de tratamento e acompanhamento, fizemos os testes necessários para despiste genético (dentro do que a medicina, na altura, dispunha - agora não faz sentido repetir, anexando mais marcadores, pois sabemos que será genético multiplex, visto haver mais casos na família), sempre proporcionámos as adequações necessárias para que as piolhas pudessem chegar mais longe (psicomotricidade, natação, aulas de música, etc.), sempre viajámos com elas, propusemos vivências que permitissem e potenciassem o seu desenvolvimento.
E, desde bebés, mesmo sem sabermos que havia ali uma perturbação do desenvolvimento, elas acompanhavam-nos para todo o lado. E, apesar de, neste momento, já estarmos num nível muito à frente, ainda o fazemos, porque sim, porque elas gostam e querem, porque é assim que fazemos. Quantas vezes, depois de percorrermos centenas de km e de termos feito a preparação, mostrado o itinerário, falado do que faríamos, havia um ou outro imprevisto e lá se ia a nossa viagem pelo cano... Vinha o descontrolo, a ansiedade, as birras, o choro, a negociação, a chantagem, a espiral de desespero e as ameaças "nunca mais voltamos a sair juntos" ou "não volto a sair com vocês"... E, na próxima vez, fazíamos tudo de novo e lá tentávamos mais uma vez, sempre a insistir, sempre a levá-las, sempre a arriscar.
Hoje, ainda que a ansiedade do desconhecido tente espreitar, já não impera e conseguimos ir cada vez mais longe e até alterar planos no último instante ou já na viagem e elas lidam muito bem com isso, desde que bem explicado. Conseguem sair comigo e ir a um restaurante, a um café, a uma festa e conviver (à sua maneira) com quem está presente e tenho de ser eu a "empurrá-las" para irem e arriscarem a estar sem mim ali ao lado, podem estar sozinhas, numa situação social.
Era sobejamente criticada por as levar para todo o lado comigo, às vezes, ainda no carrinho porque fugiam e não tinham noção do perigo, ou bem agarradas à minha mão, uma de cada lado: às compras, fazer pagamentos, a repartições públicas, a reuniões, a aviar recados, etc. Os avós ficavam com elas, claro, sempre que necessário, mas também era preciso este treino de competências e que deu frutos: hoje conseguem gerir os estímulos e tolerar muitas situações, sabem fazer alguns exercícios simples de antecipação (jogo da mente) e até serem autónomas em muitas decisões e tarefas. O esforço, o sacríficio por que passámos resultou e as bocas que nos mandaram resvalaram na couraça da nossa indiferença e veem-se hoje desfeitas. Nunca tive vergonha das minhas filhas - pasme-se, nunca tive vergonha do autismo. Tenho é vergonha de quem foi ignorante a ponto de sugerir isolamento e de se meter onde não era chamado.
O caminho que percorremos até agora foi feito com curvas e contracurvas, com muito custo, muito trabalho, a desbravar acessos, a reivindicar melhorias, a fazê-lo com as nossas próprias mãos (tantas vezes, sozinhos). Não me arrependo nem um minuto do que fizemos até agora. E não pararei nunca, exceto se elas mo pedirem. Até lá, seremos sempre a retaguarda delas, a defesa delas, o resguardo delas. E não as esconderemos do mundo. O mundo também é delas.
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