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Saber viver custa um bocadinho...

por t2para4, em 19.06.24

Estes 6 meses envelheceram-nos bastante. Temos, ambos, bem mais cabelos brancos (a ponto de até as miúdas referirem isso…) e rugas. Estamos, também, mais cansados e com muito menos paciência para tolerar certas coisas e damos por nós a apreciar, cada vez mais, algumas das atitudes da Gen-Z (e nem estamos a falar das meias puxadas até às canelas).

Além do regresso a terapias extremamente necessárias, que requerem tempo, espaço e espera, temos também estudado, dentro do possível, o amanhã delas. O que poderemos fazer, como poderemos prepará-las, que ferramentas e apoios lhes poderemos dar, que caminhos lhes poderemos indicar, que portas lhes poderemos abrir, até onde poderemos guiá-las, quando será a altura mais adequada para as largar – sabendo, sempre mas sempre, que têm uma casa e um colo para onde voltar e que será sempre delas. A maioridade não tarda aí… E queremos apostar na autonomia, independência e capacidades delas – porque, que ninguém duvide, elas são capazes, elas são competentes.

Há um leque relativamente vasto de opções que poderão abraçar e cuja decisão (que não tem de ser final) terá sempre o nosso apoio incondicional. Somos uns pais consideravelmente abertos a outras possibilidades de vida pós-ensino secundário e sabemos que elas (e muitos miúdos neurotípicos) são muito jovens (e imaturos) para tomar decisões para o resto da vida e que, ali naquele momento, se revelam infrutíferas, dispendiosas e desvalorizadas depois. Há tempo.

Sentimos alguma pressão social mas também sabemos o que temos em casa e como somos – fruto das nossas vivências e já larga experiência, em grande parte. Por isso, sabemos o que fazer nesta fase e como as apoiar.

Para elas, ainda que na forma de estágio, o mundo do trabalho não é novidade. Há tarefas, horários, diferentes regimes laborais, burocracia qb e gestão pessoal quer do trabalho em si quer do tempo despendido. Isto é, claramente, aprendizagem. E muito valorizado por nós. E, para além disso, também há a gestão doméstica: que tarefas fazer, quando, com que frequência, como, etc. E, quer para elas quer para nós, é um “trabalho” contínuo (não só o raio das domesticidades mas este tipo de pré-pré-preparação para um melhor amanhã).

Esta fase tem tanto de maravilhoso como de assustador. Porque o amanhã – que não dominamos e não conseguimos prever e antecipar – pode sê-lo: maravilhoso e assustador. Eles crescem e o ninho fica vazio, dizem. Nós esperamos que esse indicador se verifique no nosso ninho. Até lá, olhem, rugas e cabelos brancos.

 

 

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publicado às 16:18

Este ano ainda não comecei oficialmente com o assinalar do Dia Internacional da Pessoa com Deficiência (não é a celebração, minha gente!! Paremos de romantizar a deficiência!) mas já tenho uma ideia concreta e um plano de ação do que fazer com as minhas turmas - e respetivas adaptações às respetivas realidades.
E, depois de uma formação na área, muito interessante, fez-se o click que faltava: comunicação acessível. E, como nos foi dito e poderá servir de mote, comunicação acessível é comunicação total. E isto é válido para pessoas com deficiência mas também para pessoas sem qualquer tipo de comprometimento ou dificuldade.
E lembrei-me do cartaz que está numa das minhas salas e que ilustra os direitos básicos das crianças (sendo assinalada também a criança com necessidades especiais) e ocorreu-me que, de forma acessível e simples (sem ser simplista ou capacitista mas sim com o intuito de capacitar), abordar também as questões legais relativas à pessoa com deficiência. E nada melhor do que usar o exemplo que a @fenacerci criou com o documento "Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das pessoas com deficiência" - comunicação acessível é o tal triângulo (ou tríade, se formos para uma palavra muito pouco acessível que podemos já desconstruir) de interações, documentos e contextos. E já que tenho a interação e o contexto, por que não o documento?
Avançarei com um story telling* (e posterior exploração) que pretendo que envolva como bons resultados, além da sensibilização, consciencialização e aceitação da diferença/(neuro)divergência/deficiência, a resolução de problemas, a criatividade, a compreensão da linguagem e, claro, o aproveitar aquele momento e o gostar de aprender.
Será diferente pois somos todos diferentes - e não há absolutamente nada de errado nisso - mas com direitos iguais - algo que muitas pessoas ainda desconhecem.
 
Portanto, por que não, de forma acessível, falar de coisas sérias, sem "simplistificar" nem infantilizar?
Vai o desafio? ;)
 
*feedback na próxima semana ;)
 
(imagem da capa do documento criado pela Fenacerci em versão leitura fácil, com código de cores lateral)
 

convenc_onu.jpg

 

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publicado às 23:18

Este ano estou numa escola nova (depois de uma pequena vida noutra) e os alunos são qualquer coisa de bom, a sério. E são muito curiosos e, claro, mesmo durante as aulas, enquanto nos organizamos (cadernos, livros, o meu computador, etc.), conversamos. Gosto muito deste pequeno "ritual" que ninguém criou e que surgiu espontaneamente. Creio que é bom para todos. Adiante. A certa altura, expliquei que estava à espera de um telefonema importante da escola das minhas filhas e que, por isso, eles ficariam a trabalhar um pouquinho enquanto eu atendia (explico sempre o porquê de eu estar disponível no telemóvel pessoal, sempre). E segue-se um pequeno momento:
"Que idade têm as tuas filhas?" - 16 anos
"Quantas filhas tens?" - duas
"As duas com 16 anos?" - Sim
"Ah, são gémeas?" - sim (eu tenho, este ano, 3 pares de gémeos 😃 adoro)
"São gémeas verdadeiras?" - Sim, são.
"E tu não te enganas a distingui-las?" "Oh, E. claro que não! A teacher é a mãe!" (não lhes disse que, se calhar, no meio da loucura extrema de noites sem dormir e fraldas e gritos quando tinham meses de vida, deveremos ter trocado uma pela outra...)
"E não tens mais filhos?" Não. E agora já estou um bocadinho velha para isso...
"Olha, teacher, a minha mãe ia ter 3 filhos mas o do meio não nasceu..."
"Também aconteceu isso à minha mãe. Eu podia agora ter mais irmãos mas a gravidez não avançou"
Sim, às vezes, com ou sem motivos, isso acontece. Também me aconteceu. Dói mas estamos aqui. Vamos trabalhar um bocadinho? Ok, let's go.


E serve esta conversa toda para quê? Para partilhar o que eles partilharam comigo: a perda gestacional de que, felizmente, cada vez mais se fala e cujo acontecimento deve ser sensibilizado. Acontece e tantas vezes nem sequer há uma justificação para isso... O que me surpreendeu mais foi o facto de os meus meninos terem conhecimento do que se passou com as suas mães, tal como as minhas filhas têm conhecimento de que, durante a minha gravidez delas estiveram sempre acompanhadas por uma bolsa vazia e que, em 2016, houve um bebé que não se formou. E isto é confiar, ensinar e sensibilizar, é envolver todos. A seriedade com que partilharam este momento tão íntimo e doloroso mostra que, apesar da sua idade, sabem do que falam e que doeu aos pais (se calhar, ainda hoje dói); mostra que não há vergonha em dizer que aconteceu e que acontece com imensas mulheres; mostra que os tempos estão realmente a evoluir e que se encara a perda gestacional, independentemente de quando acontece, como uma perda em que há dor e um luto a fazer; mostra que um filho nunca é substituível e todos entram na família; mostra que há ali um sentimento de amor da parte de todos; mostra que se fala abertamente da realidade.


Quando eu digo que ensino crianças (e que até é a faixa etária que prefiro) mas que também aprendo muito com elas, poucos acreditam. Mas é a mais pura das verdades. Esta semana aprendi, com eles, que a resiliência infantil vai muito para além do que possa acontecer diretamente com eles próprios e que os momentos de partilha (de parte a parte) são também uma pequenina parte do processo ensino-aprendizagem. É uma relação de dar e receber, sempre.

 

 

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publicado às 10:04

Fomos ali ao passado, num instantinho...

por t2para4, em 23.07.23
Feira medieval de Coimbra 2023
Fazia parte dos nossos planos, desde que fora anunciada. Fomos só hoje, um bocadinho de manhã. Foi muito bom, mesmo. Há coisas que são tão bem feitas e num contexto tão bem enquadrado que não custa ir ver e embrenharmo-nos. Apesar de haver alguma confusão e muito muito barulho, foi bastante tranquilo. Já são muitos anos de amadurecimento e exposição, além disso, estávamos ali de total boa vontade da parte delas.
Tirámos as velhinhas Canon do seu poiso protegido: uma é da idade das piolhas, a outra consegue ser ainda mais velha (e elas já fazem 16 para a semana...). É muito bom ver este novo interesse, que tem objetivos definidos. E ver que há fotos espetaculares!!!
Vimos a arruada pelo burgo (entende-se, largo da Sé Velha) e a abertura do mercado pelo governador, com música fantástica, atuação de grupos na chamada de homens para a guerra e treino com armas, rimos muito com as ameaças do carrasco e acredito que fizemos memórias muito boas. O grupo é de Andaluzia e são os Alota del Tinto muito expressivos, dinâmicos e sempre a interagir com o público.
Ainda tive uma pequena conversa muito agradável com um casal francês que não percebia o português estranho do padre que ralhava connosco por termos aplaudido a dança sensual dos otomanos...
Foi uma comédia explicar-lhes (às piolhas, claro) que o Quebra-Costas nunca partiu literalmente costas a ninguém e que está mais relacionado com mitos e degraus íngremes (outrora escorregadios) do que com quedas aparatosas (ninguém queria ficar com os cursos por terminar, não é verdade?).
Foi outra comédia tirar fotos à mãe a ser "ameaçada" pelo carrasco e a fazer olhinhos ao Capitão América que está na baixa... E isto porque prometi não fazer figurinhas ao pé da vaca e controlar-me perto do pirata. Ficaram fotos brutais.
Férias de verão também é isto. Coisas simples, grátis, muito agradáveis e com algum cariz de aprendizagem. E sestas no sofá, à tarde, claro.
 
 
Pode ser uma imagem de 2 pessoas, rua e texto
 
 
Pode ser uma imagem de 9 pessoas, o Muro das Lamentações, multidão, Piazza di Spagna e texto 
 
 
 
 
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publicado às 19:46

Quase, quase...

por t2para4, em 16.07.23

Pode ser uma imagem de 3 pessoas e texto que diz "SOMERSBY ERSBY POPO"

 

Ainda não estamos de férias, embora ansiemos quase desesperadamente por elas...
Eu ainda estou de serviço, as piolhas ainda estão em estágio profissional. Mas, apesar do trabalho, vamos tentando passar a mensagem subliminar de que, brevemente, estaremos na fase do não fazer nada, do não ter planos, do dormir até apetecer e quando apetecer. Por isso, abundam os pratos de verão, as bebidas, os gelados, os filmes até mais tarde, os ensaios de bateria para a audição (um misto de prazer e trabalho), as saídas (com ou sem elas, porque, nesta fase já atendemos aos seus pedidos), as aprendizagens de autonomia (que, aqui, envolvem culinária, domesticidades, idas a lojas e serviços, home office - dá para uma publicação, noutra altura).
A ordem é descanso, quase absoluto. E a ordem vem do médico e da terapeuta: nada de estudo, férias para serem férias, descanso à seria (espero que seja só mesmo descanso mental pois tenho algumas tarefas ainda em mente) e relaxar mesmo.
Para já, um dia de cada vez e usufruirmos em família de momentos bons das mirins cá de casa.
 
 
 
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publicado às 22:43

O balanço do 1º ano do secundário

por t2para4, em 01.07.23

Aceitação.

Aprendizagem.

Autonomia.

Estudo.

Trabalho.

Inclusão.



Foi um ano de desafios: nova escola, novos professores, novos conteúdos, novas rotinas, novos horários e... novos colegas. E o medo de falhar, de ser maltratada pelos pares, de não perceber as situações e comportamentos sociais dos seus pares, de sofrer e ter de enfrentar novos monstros.

A nossa escola é tolerância zero em bullying. A turma é fantástica e com miúdos com o coração no sítio certo. Os professores não toleram nem potenciam situações dúbias ou de agressão (em qualquer das suas formas). Há um objetivo bem delineado a cumprir. Há um projeto educativo envolvente, abrangente e inclusivo. Há pessoas que formam a escola como ela é. E é aqui se nota toda a diferença.

Foi um ano pleno, cheio de conquistas, com trabalhos fenomenais e disciplinas de teor universitário concluídas com sucesso, de médias surpreendentes e de muitos planos já a pensar na reta final daqui a dois anos, de ingresso num mercado de trabalho com todas as suas vicissitudes, de dar o primeiro passo e arriscar. Foi um ano de crescimento para elas e para nós. Foi árduo mas recompensador. E foi um ano de acompanhamento, de dedicação de todas as partes envolvidas, de honestidade e de inclusão. Porque ela existiu de facto e não posso deixar de o referir.

Em 3 anos, vi, pela primeira vez, que iam felizes (e realizadas) para a escola, que gostavam das suas pausas para café, de estar com os colegas a falar de música e a fazer planos para as atividades escolares, que sentiam a sua sala de trabalho como sua mesmo e com a obrigação de cuidar desse espaço, que foram - acima de tudo e mais importante - a E. e a B., antes de qualquer outra coisa. São a E. e a B., assim, simplesmente, sem mais epítetos ou acréscimos ou diagnósticos. Foram logo recebidas pelo seu trabalho anterior (uma espécie de portfolio) e encaminhadas de acordo com o seu potencial; a sua inserção no diploma legal em vigor foi cumprida com naturalidade.

Estamos gratos e somos afortunados. Sentimo-nos em equipa, focada num grande e comum objetivo.

É ensino profissional, é dupla certificação, é teoria e prática, é estágios integrantes logo no 1º ano, é trabalho contínuo com a noção de que o futuro é já amanhã e com saídas dignas e variadas - incluindo o ensino superior. É a melhor escolha tendo em conta o seu perfil e não nos arrependemos nem por um segundo.

Venham daí os anos que faltam porque vontade não falta e coragem também não.

 

 

 

 

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publicado às 17:40

Back to vinyl

por t2para4, em 11.06.23
Numa casa onde já nem existem leitores de CD ou sequer CD e até os carros passam música de forma totalmente digital, ainda somos - nós pais - surpreendidos com um pequeno e nostálgico regresso ao passado, a pedido das nossas filhas, musicalmente bem educadas e com excelente gosto musical (estivemos bem, nessa área - palminhas para nós): os seus primeiros e desejados vinil. E a sua secção preferida na FNAC 😁
Piolhas, só boas músicas 😉
 

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publicado às 13:54

As irmãs

por t2para4, em 30.05.23

"E elas dão-se bem?"
Tentámos e esforçámo-nos muito e ainda hoje reforçamos que devem ser sempre as melhores amigas uma da outra, até porque, ninguém as compreende e entende tão bem como uma à outra. Claro que nem tudo são rainbows and butterflies - elas pegam-se forte e feio, como qualquer irmão, em qualquer relação saudável. Estranho seria se não o fizessem e eu, certamente, escreveria sobre isso :)
O engraçado é mesmo a relação de parentesco e de amizade que têm. Já saem juntas, sem os pais. Incentivamos a que o façam e até damos dicas de onde ir e do que podem fazer. Não são muito dadas a saídas à noite, com demasiados estímulos e barulhos, nem são moças de ficar a fazer sala depois de tomar um café. Ir almoçar a casa de alguém ou a um restaurante é mesmo isso: comer. E comer não é fazer sala e estar na converseta. Sinceramente, acho isto o máximo. Não dão prejuízo à casa :D
Trabalhamos cada vez na sua autonomia. Não somos de proibições tolas nem de medos absurdos e, nesta fase em que confiamos cada vez mais no que já são capazes de fazer, não faz sentido não as deixarmos dar as suas cabeçadas. Até porque, em comparação com alguns dos seus pares, são até bastante maduras para a idade e não deixa que os seus comprometimentos as impeçam de avançar.
Começamos a notar, subtilmente, uma diferença nos seus gostos: as preferências musicais mais alternativas numa e mais puras noutra; as roupas mais à millenial numa do que na outra que opta por coisas bem menos skinny; nuns dias é para serem totalmete diferentes e noutros quase iguais como gotas de água; os interesses que parecem começar a divergir e trazem outra riqueza à partilha uma com a outra; a seriedade e a criatividade com que encaram os desafios... São gémeas idênticas sim, mas tão diferentes.

"E dão-se bem contigo?"
Que remédio :P não sou a melhor amiga delas - nem faço questão, pois esse não é, de todo, o meu papel - sou a mãe delas e ajo como tal. Mas temos muitos e bons momentos de cumplicidade: quando fazemos spas capilares caseiros ou estamos no telemóvel a escolher roupas para adicionar a um carrinho que nunca será levado até à compra final ou quando combinamos saídas, por muito simples que sejam, ou quando pensamos em jantares simples que envolvam massa quando o pai está nos turnos da tarde ou quando cantamos em altos berros no carro ou até, ainda que, às vezes, com má vontade, vamos ao ioga juntas ou rimos muito com disparates que vemos no TikTok.
E, claro, também se dão muito bem com o pai. Aliás, até têm um nickname para ele que eu acho o máximo. São de uma espontaneadade muito grande com ele e confiam. E isto, a confiança que têm em nós e o saberem que podem SEMPRE contar connosco, são uma segurança enorme para elas e para nós.
Não fazemos muitos planos a longo prazo até porque, após tantos anos a levar um dia de cada vez, planear a médio e longo prazo parecem coisas muito difíceis e irreais de se fazer. Mas temos algumas ânsias que desejamos que se cumpram.
Para já, vamos vivendo um dia de cada vez, preparando-as o melhor possível para um amanhã. Depois se verá.

 

 

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publicado às 14:03

A partir do momento em que não tivemos mais serviço para fazer nas escolas, eu e as piolhas, dedicámo-nos ao descanso e a outras atividades. Precisamos, merecemos e é-nos muito necessário. Porque, sem culpas, é preciso parar para recuperar e isso não é desistir, é descansar para continuar.


Então, se não trabalharam nem estudaram, que fizeram?

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- mantivemos as aulas de bateria, natação e ioga e a mãe fez gazeta (lá calha, e, sinceramente, essa coisa dos semestres dá-me cabo da cabeça, portanto, a mãe fez gazeta e esteve com as filhas)
- cuidámos da gata que ficou doente, com muitos cuidados, até ter recuperado por completo
- fizemos atividades de Páscoa, programadas inteiramente pela tia
- dedicámo-nos à séria a uma spring cleaning em que nem os edredões de inverno escaparam
- mudámos algumas coisas em casa - ora, não servissem as limpezas profundas também para isso -, doámos muitas coisas e exterminámos outras tantas (como diz uma amiga nossa)
- a mãe leu muito: enquanto esperava pelas piolhas, pelas máquinas de lavar, à hora da ceia; nós desenhámos como se o mundo dependesse disso
- comemos imenso pão (ai mai godji, tanto pão que se comeu nesta casa, nestes dias), com tulicreme, manteiga, chocolate de avelã - you name it. E panquecas, que a E. já aperfeiçoou a sua técnica e agora não quer outra coisa
- experimentámos pizzas à la nossa moda com ingredientes inesperados e jantares improvisados que lembravam pequenos-almoços ingleses
- atualizámo-nos em relação a séries
- vimos flores, tirámos fotos, tentámos fazer coisas novas, íamos estragando a plastificadora e ficámo-nos pelo que é simples
- voltámos a tentar conduzir e fazer manobras simples
- repetimos rituais em lugares sagrados, mesmo não sendo religiosas, mas sempre com respeito e saber-estar
- fomos a festas
- pegámo-nos como se pegam os irmãos e ouvimos ralhetes dos pais
- dormimos até mais tarde e a mãe fez sestas
- voltámos a jantar em tabuleiros nos sofás da sala (com muuuuuito cuidado)
- apanhámos secas porque a mãe assim o exige e porque parece que a vida real também
- houve cenas de gaja com cera por todo o lado, pinças e vernizes

No fundo, fizemos imenso mas nada relacionado com a escola. E, no fundo, sabia bem mais uma semana...

 

 

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publicado às 15:34

O mundo também é delas

por t2para4, em 17.10.22

A maternidade custa muito e dá muito trabalho. Ser-se mãe ou pai de crianças com necessidades específicas acresce um outro nível de trabalho ao já existente. Não é à toa que, muitos estudos acabam por encontrar níveis de stress equivalentes aos do Síndroma de Stress Pós-Traumático ( https://www.ptsduk.org/causes-of-ptsd-caring-for-a-child-with-a-complex-medical-condition-or-disability/ ou https://encyclopedia.pub/entry/2120 por exemplo), em cuidadores de crianças com algum tipo de deficiência. Viver em família é difícil; viver em comunidade, então, é um desafio constante.
O nosso diagnóstico de autismo é aberto a todos, ou seja, nunca foi segredo, as próprias autistas sabem o que lhes calhou no jogo da lotaria genética/epigenética/ambiental, a escola tem acesso aos relatórios em como técnicos e outros que deles necessitem para um trabalho apropriado. Nunca omitimos informações alusivas ao autismo, sempre seguimos as indicações de tratamento e acompanhamento, fizemos os testes necessários para despiste genético (dentro do que a medicina, na altura, dispunha - agora não faz sentido repetir, anexando mais marcadores, pois sabemos que será genético multiplex, visto haver mais casos na família), sempre proporcionámos as adequações necessárias para que as piolhas pudessem chegar mais longe (psicomotricidade, natação, aulas de música, etc.), sempre viajámos com elas, propusemos vivências que permitissem e potenciassem o seu desenvolvimento.
E, desde bebés, mesmo sem sabermos que havia ali uma perturbação do desenvolvimento, elas acompanhavam-nos para todo o lado. E, apesar de, neste momento, já estarmos num nível muito à frente, ainda o fazemos, porque sim, porque elas gostam e querem, porque é assim que fazemos. Quantas vezes, depois de percorrermos centenas de km e de termos feito a preparação, mostrado o itinerário, falado do que faríamos, havia um ou outro imprevisto e lá se ia a nossa viagem pelo cano... Vinha o descontrolo, a ansiedade, as birras, o choro, a negociação, a chantagem, a espiral de desespero e as ameaças "nunca mais voltamos a sair juntos" ou "não volto a sair com vocês"... E, na próxima vez, fazíamos tudo de novo e lá tentávamos mais uma vez, sempre a insistir, sempre a levá-las, sempre a arriscar.
Hoje, ainda que a ansiedade do desconhecido tente espreitar, já não impera e conseguimos ir cada vez mais longe e até alterar planos no último instante ou já na viagem e elas lidam muito bem com isso, desde que bem explicado. Conseguem sair comigo e ir a um restaurante, a um café, a uma festa e conviver (à sua maneira) com quem está presente e tenho de ser eu a "empurrá-las" para irem e arriscarem a estar sem mim ali ao lado, podem estar sozinhas, numa situação social.
Era sobejamente criticada por as levar para todo o lado comigo, às vezes, ainda no carrinho porque fugiam e não tinham noção do perigo, ou bem agarradas à minha mão, uma de cada lado: às compras, fazer pagamentos, a repartições públicas, a reuniões, a aviar recados, etc. Os avós ficavam com elas, claro, sempre que necessário, mas também era preciso este treino de competências e que deu frutos: hoje conseguem gerir os estímulos e tolerar muitas situações, sabem fazer alguns exercícios simples de antecipação (jogo da mente) e até serem autónomas em muitas decisões e tarefas. O esforço, o sacríficio por que passámos resultou e as bocas que nos mandaram resvalaram na couraça da nossa indiferença e veem-se hoje desfeitas. Nunca tive vergonha das minhas filhas - pasme-se, nunca tive vergonha do autismo. Tenho é vergonha de quem foi ignorante a ponto de sugerir isolamento e de se meter onde não era chamado.
O caminho que percorremos até agora foi feito com curvas e contracurvas, com muito custo, muito trabalho, a desbravar acessos, a reivindicar melhorias, a fazê-lo com as nossas próprias mãos (tantas vezes, sozinhos). Não me arrependo nem um minuto do que fizemos até agora. E não pararei nunca, exceto se elas mo pedirem. Até lá, seremos sempre a retaguarda delas, a defesa delas, o resguardo delas. E não as esconderemos do mundo. O mundo também é delas.


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publicado às 14:03

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