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Se as piolhas estivessem no 2º ano, não o fariam. Ponto. E ponto assente e ponto final.
Porquê?
Porque eu tenho estado a treinar com os meus alunos e posso assegurar que isto, para esta faixa etária que ainda mal domina a coordenação óculo-mental-motora da escrita manuscrita, fazer uma prova (uma, não! 2!!!!) extensa a computador onde, ainda por cima, têm campos de escrita, é doloroso como punhais. Quem se lembrou de aplicar isto para crianças tão tenras, nunca viu nenhuma em frente a um computador, a realmente utilizá-lo para trabalho e não para jogos ou redes ou vídeos. Pelo amor da santa!!! A média de escrita de alunos que até dominam a acentuação e o shift e o caps lock é de 10 palavras em cerca de 15 minutos!!!! A prova tem a duração de 90 minutos... Estão a ver a maravilha do ratio, certo?
Entre outras parvoíces técnicas (como não haver opção de salvar/gravar entre etapas ou não haver audio ou o refresh apagar as respostas daquela etapa ou a lentidão do sistema - imagine-se agora centenas de alunos AO MESMO TEMPO a usar a mesma plataforma - ou o botão direito do rato mostrar a correção sugerida para o erro assinalado), a maior imbecilidade é pôr estes alunos a escrever num pc em dia de prova. Alunos com 7 ou 8 anos. Repito: alunos com 7 ou 8 anos.
Senhores sei-lá-quem-se-lembra-destas-coisas lá da tutela dinossaurica wannabe-moderno da capital: alguma vez estiveram sentados ao lado de alunos com estas idades a trabalhar com eles? Alguma vez pensaram minimamente nestes alunos? Acham mesmo que isto é evolução tecnológica? Acham mesmo que a ansiedade acrescida quando chegar a altura de escrever um texto cheio de linhas vermelhas sem que percebam como corrigir é algo benéfico? Acham mesmo que fazer contas num pedaço de tela é pedagógico? Isto é avaliação? Principalmente, numa prova que conta zero para a avaliação formal do aluno? Poupem-nos.
Filhos meus não fariam a prova. Ponto. E faria uma exposição ponderada do porquê para envio a quem de "direito".
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As novas propostas de revisão dos concursos interno e externo para professores vão, clara e largamente, prejudicar os alunos – em especial, os alunos que usufruem do DL 54, nas suas vertentes mais abrangentes (medidas seletivas e adicionais). Na minha ótica de professora contratada e mãe atípica, posso assegurar que a minha interpretação do documento emanado pelo MEC, é de retaliação disfarçada de propostas de pseudo-segurança e pseudoestabilidade para docentes – e, consequentemente, os seus alunos. Mas não é só para professores contratados: os professores em quadros de zona ou de escola também têm o seu lugar ameaçado e à disposição quase despótica do ministério – não há quase nenhuma margem para mobilidade e esqueçamos a mobilidade por doença que ainda muito se alterará em relação a isso. A indignação é enorme e o caos, se ainda não se instalou, instalar-se-à, não duvidemos. Professores sem a menor estabilidade e na maior precaridade desde os ids anos 2000, irão, seguramente, desistir do ensino e eis o resultado anunciado que é mais que evidente: a escassez de professores trará disciplinas com 0% de aulas (e obviamente, avaliação).
Eu queria muito, mesmo muito, acreditar num sistema de ensino de qualidade – que é possível e temos muitos profissionais que o proporcionam -, inclusivo – que também é possível e, mais uma vez, há muitos profissionais que o proporcionam – mas, honestamente, começo a perder a esperança, vejo o (meu) futuro um bocado cinzento e cada vez mais incerto, temo que muitos alunos perderão aprendizagens essenciais (as verdadeiras, não aquelas que alguém decidiu colocar num documento em que temos de fazer copy-paste para 300 outros), temo que o nosso frágil sistema de ensino se torne anedótico nacional e internacionalmente, temo que vamos todos perder educação. E o resultado não será um povo analfabeto como nos idos anos 50 mas um povo relativamente literato (o básico) mas sem capacidade de discernimento, pensamento crítico ou de questionar – será um povo fácil de manipular, logo, de governar.
Agora vamos entrar na escola, numa sala de aula com uma turma de 2º ciclo, digamos, em que temos cerca de 20 alunos, 2 deles com RTP (em incumprimento com o estabelecido no Despacho Normativo que regulamenta o nº de alunos/turma quando há alunos com necessidades específicas com Relatório Técnico Pedagógico) e cerca de 5 com Medidas Universais. Entre outras, uma das medidas para os alunos com RTP, é o apoio de Educação Especial mas não há professor porque o horário é de apenas 10h = 620 euros e, com a obrigatoriedade de concurso a dez QZP, muitos contratados não arriscam. Este horário não pode ir para ninguém do quadro pois os horários desses professores já estão preenchidos. Portanto, entre reservas de recrutamento vazias ou rejeitadas e ofertas de escola incompatíveis com acumulações, estes 2 alunos com RTP não usufruirão de um dos seus direitos, serão diretamente prejudicados no seu sucesso académico e o MEC não quer saber. E, agora, multipliquemos isto por milhares de alunos em milhares de turmas e vamos mais longe: alunos de necessidades específicas em unidades multideficiências em que há falta de professores especializados. Quem é o grande prejudicado? Pois é. Não se pensou para além do óbvio.
O percurso escolar das piolhas está na sua reta final, já não tenho grandes preocupações em relação ao que lhes possa acontecer porque, lá está, entretanto, terminarão e uma nova fase se seguirá. Mas não consigo deixar de pensar nos meus alunos. A escola como a conhecem agora – que é o dito “normal” para eles pois não conheceram outras versões – irão enfrentar uma era sombria e não sei se haverá luzes no fundo do túnel, nem sequer com a suposta ajuda do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.
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Talvez seja sonho, talvez seja ilusão - talvez seja, apenas, sorte - mas eu ainda acredito numa escola inclusiva.
O que eu entendo por escola inclusiva é aquela que abre as suas portas a todos os alunos, independentemente das suas características, sejam elas físicas, mentais, neurológicas, de nacionalidade, de credo, de status.
É aquela que encontra os recursos humanos e materiais e fornece aos seus alunos as ferramentas para que possam alcançar o sucesso nas suas tarefas - sejam elas escolásticas ou vivências do quotidiano - através de recursos humanos dotados do que necessitam para realizar o seu trabalho (e que, na minha ótica, tem de incluir, obrigatoriamente, empatia, sensibilidade, sentido de adaptabilidade e flexibilidade e uma constante vontade de aprender).
É aquela que para de insistir em cursos da treta só para fazer números e se autopromover à conta de financiamentos de siglas do tamanho de meio alfabeto. É, ao invés, aquela que tenta pensar fora do comum e procura a promoção do sucesso dos seus alunos através de ações bem documentadas, na altura apropriada, e consegue fazer a ponte entre vida escolar obrigatória até aos 18 anos/12º ano e a vida pós-escolar, com a colaboração conjunta de pais-técnicos-médicos-professores para que se tome a decisão mais acertada possível, tendo em consideração as capacidades, dificuldades, autonomia, perspetivas, etc do aluno. Seja ele um aluno com ou sem deficiência.
É aquela onde nos sentimos seguros, motivados e respeitados - os alunos, os pais e os professores - e sentimos que podemos fazer sempre mais, dar sempre mais um pouco de nós.
É aquela que consegue ver para além do óbvio, seja um diagnóstico, seja um rótulo, seja mesmo um processo escolar agregado... sou adepta do start from scratch e de dar sempre uma segunda oportunidade; somos todos diferentes e interagimos de forma diferente com pessoas diferentes.
Pode ser uma utopia mas quero muito acreditar que, algures, é possível e que, pouco a pouco, haja cada vez mais pessoas empenhadas em tornar essa escola uma realidade. Porque, eu sei que é quase possível. Nunca será o pináculo da perfeição mas poderá estar muito próximo do cumprimento legal e básico de direitos humanos - os direitos de todas as crianças.
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Ontem não dei aulas. Ou melhor, não dei aulas na escola. Foi dia da manifestação e greve por distritos em Coimbra e eu fui, com a minha escola.
Não sou a única prejudicada. Os meus alunos são prejudicados. São prejudicados:
- quando não podemos dar-lhes os recursos de que necessitam porque o ministério da educação não autoriza;
- quando são confrontados com um porgrama curricular estupidamente extenso, cheio de conteúdos para vomitarem num qualquer exame ou prova;
- quando são cobaias de programas e programinhas, projetos e projetinhos, cenas e ceninhas para mostrar serviço de um qualquer senhor sentado num gabinete, lá na capital;
- quando são confrontados com quotas até para poderem beneficiar das medidas do DL 54;
- quando mudam de professor no final do ano letivo, com sorte, ou de mês a mês, com pouca sorte, ou nem têm professor, com azar;
- quando a faixa etária dos seus professores ronda os 60 anos e já nem a paixão pela profissão faz o devido milagre porque estão cansados, desmotivados, desrespeitados;
- quando o professor contratado nunca mais volta a trabalhar com eles porque foi para outra escola, com sorte;
- quando, por arrasto das condicionantes da profissão docente, nem eles têm estabilidade;
- quando têm perante si um professor doente ou com familiares doentes mas não pode ter mobilidade por doença, ou porque não tem direito a ela por ser contratado ou porque, apesar de ser do quadro, mudaram as regras a meio do jogo;
- quando professores e auxiliares são mal pagos, em comparação com os vencimentos das mesmas profissões na UE;
- quando o dinheiro para a educação é ao cêntimo e à míngua mas outras entidades é ao estilo buraco sem fundo e basta pedir;
- quando as negociações com sindicatos são um gozo perpétuo e indigno para com os docentes.
E podia continuar mas estou cansada. Ninguém, da comunidade escolar (que são todos os intervenientes diretos ou indiretos), merece isto. Agora, cada um que decida o que fazer. Eu estou farta de prejuízos. E dispenso bem as bocas "tens pouco tempo de serviço porque nunca concorreste para longe" - a minha família vem primeiro senão não teria constituído família (autismo à parte). Assim simples. São opções. E eu durmo bem com isso.
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As aulas começaram há um mês e uns dias. Estamos em meados de outubro e já li tantas tantas tantas notícias sobre agressões a professores que começo a perder-lhes a conta.
Eu não sou um saco de pancada.
Eu não sou o bode expiatório de ninguém.
Eu não um poço de descarga de frustrações alheias.
Eu não sou a culpada desta sociedade doente.
Eu não sou a super mulher.
Eu não sou mãe de centenas de alunos.
Eu não sou um saco de pancada.
Não sou nem tenho feitio para isso. Não admito a ninguém que me levantem a mão. Ou me ameacem. Ou me danifiquem propriedade. Eu dou muito de mim, todos os dias, todas as horas ao meu público presente mas jamais admiti ou admitirei faltas de educação, faltas de respeito ou ameaças tentadas ou concretizadas.
E não me venham com os blá blá blás do costume "ai só foste para professor porque quiseste" e "tu é que escolheste". Já falaram assim de um médico? Ou engenheiro? Ou advogado? Pois é. Critica-se o professor porque ganha bem (ahahahhahahaahahhahahahhahaha), tem 3 meses de férias (um dia, trocamos. Troco os meus 3 meses de férias por 1 mês de férias em época baixa), não trabalha (ahahahhahahahahah, vamoláaver: ontem tive 2 reuniões online e uma terminou às 20h; há conselhos de turma a serem marcados aos sábados; as secretarias cada vez empurram mais trabalho administrativo para professores, etc e tal), as editoras até dão prémios (ahahahhahahaah se derem uma pen que funcione com o livro interativo, já é uma sorte), não gastamos o nosso dinheiro em material (um dia, hão de falar com o meu marido. Ele vos dirá como eu faço com o material para a escola. E quanto gasto.) e mais um par de botas.
Eu não quero levar no focinho.
Eu não sou saco de pancada de ninguém, nem miúdos nem graúdos, nem sozinhos, nem em manadas.
Se não se desrespeitasse a classe docente (muitas vezes, a começar pelos próprios professores. Sim!!! Já este ano fui acusada de ser demasiado nova e não saber o que era a vida por um "colega", pouco mais velho que eu); se o Governo, em vez de fazer disparates atrás de disparates a querer ganhar opiniões públicas ignorantes e a querer fazer da escola um verdadeiro colégio interno público grátis e a desvalorizar as habilitações para a docência, governasse como deve ser e trouxesse de volta o respeito perdido, talvez, talvez, não se ousasse levantar a mão contra um professor ou injuriar um professor. Não precisamos de voltar ao tempo da "senhora professora" quase tão sagrada como o padre mas eu cá gosto muito de respeito pela minha pessoa, pela minha profissão e pelo que faço.
Eu não sou saco de pancada. Nem eu nem nenhum professor.
E escusam de vir com outros blá blá blás de "ai mas os professores também abusam". Certo. E para os abusadores existem mecanismos de contenção e de apuramento de responsabildades, ou não? Os médicos não abusam, são sempre certinhos, acertam nos diagnósticos todos, são todos muito humanos e maravilhosos, é isso? E os advogados também ganham sempre as causas todas e vão acabar com os crimes de pedofilia e violência doméstica em Portugal. E os engenheiros aeronáuticos vão colocar um satélite português em Júpiter só para rivalizar com a NASA. Ai não? Não é assim? Mas devia. Se eu tenho que fazer papel de progenitor na escola, de ser enfermeira e auxiliar, por que o médico não o faz também? Ou o engenheiro? Ou o farmacêutico? Não pode? Mas podem ser professores, não é? Ai isso, já podem? Ah, está bem. Mas têm habilitação para a docência? hã... o Governo diz que há uns créditos. Ok, e fizeram disciplinas educacionais ou estágios ou deram aulas assistidas avaliadas? Não? Mas podem ser professores... Eu sou mãe de duas meninas autistas. Posso ser médica do neurodesenvolvimento e autismo? Não? Mas porquê?? Tenho tantas formações e até tirei 3 cursos pela Universidade de Genebra! Não posso? Que coisa... Mas o neuropediatra pode ser professor (se estiver louco e desesperado, claro)? Está bem, então.
Minha gente. Eu não levo pancada. E, se, eventualmente, isso acontecer, ou eu estarei outra pessoa ou algo de muito grave e sério se passará a seguir.
Eu quero e exijo respeito. Podem não gostar de mim, mas têm de me respeitar. E com isso acresce a minha escolha profissional. Porque, no dia - e asseguro que falta muito muito pouco - em que todos os professores se fartarem de apanhar e desistirem, deixará de haver educação. E aí entraremos naquelas distopias orwellianas e o poder estabelecido rejubilará porque um povo burro é um povo controlado e obediente. Só não quero é as minhas filhas metidas nessa carneirada.
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Um dia, mais cedo do que se possa imagina, a Educação implodirá. Este é um texto muito longo mas verdadeiro. E cru.
Do número excessivo – dizia-se, na altura – de cursos universitários voltados para a educação, turmas cheias e imensos alunos – a ponto de se encherem auditórios -, com o passar dos anos, alguns fecharam, outros desapareceram, veio o Bolonha, os novos alunos universitários não querem ser professores.
Do número excessivo – dizia-se, na altura – de candidatos ao concurso de professores, com o passar dos anos, vejamos o que veio afinal a acontecer para que, hoje, neste momento, não haja número suficiente de professores para colmatar as falhas sentidas e há, pasme-se, alunos que não tiveram uma única aula durante todo o ano letivo a algumas disciplinas (o futuro dirá o que colheremos dessa falta).
- temos de começar, obviamente, pela emigração sugerida por um Governo há anos. Professores a mais em Portugal - > solução simples = mandá-los embora.
- cursos de ensino a mais - > solução simples = terminar tudo ou quase tudo e limitar o ensino a quem tem mestrados ou semelhantes.
- aumento geográfico dos QZP (Quadro de Zona Pedagógicas) e mudança constante de regras de inserção nestes quadros que impacta diretamente no acesso de docentes aos QE/QA (Quadros de Escola/Quadros de Agrupamento).
- mudanças constantes e regras dúbias no acesso à Mobilidade por Doença, o que faz com que muitos professores não possam concorrer a determinadas escolas ou, pelo contrário, aproveitem alguns buracos na lei e concorram desmesuradamente para onde querem, apesar de estarem afetos a outros locais.
- congelamento na progressão da carreira, com acessos quotizados aos escalões e com um 10º escalão praticamente inalcançável.
- alteração do preçário e regras em relação ao ensino noturno.
- aumento salarial pouco significativo face às restantes profissões e ordenado mínimo nacional.
- duas tabelas salariais + dois horários (25h vs 22h) que discriminam educadores de infância e professores do 1º ciclo em relação aos restantes.
- reduções de horário (por idade, por artigo, por outros motivos) diminuída, número de dias de férias atribuído diminuído ao longo destes anos, possibilidade de utilização do artigo 102 diminuída ao longo dos anos também.
- proporção de trabalho relativo a exames vs dias de férias atribuídos
- calendário escolar completamente desfasado por ciclos
- estágios profissionais não remunerados e de apenas alguns meses, ao invés de um ano letivo e remunerado, como se fazia até ao início dos anos 2000.
- (não)renovação de contratos de professores contratados e injustiça criada com medidas como a Norma-Travão.
- concurso externo complicado, moroso, burocrático, desfasado que dura quase um ano letivo a concluir, onde ainda se verificam erros, ultrapassagens injustas, etc.
- alteração injusta na declaração de dias à Segurança Social para horários incompletos (abaixo de 15h, menos dias são declarados, ao invés de um mês inteiro como se fazia há pouco mais de 3 anos), o que, impacta diretamente no direito à atribuição de subsídio de desemprego;
- intervalo de horários a concurso injusto: são apenas 3 intervalos (8h-14h; 15h-21h; 22h) que diferem como o dia da noite em termos de remuneração e tempo de serviço e, obviamente, impactam diretamente na forma como um professor concorre.
- não atribuição de direitos a professores contratados com descendentes/ascendentes com deficiência (aproximação à residência, meia-jornada, baixa médica por deficiência, etc.)
- desconto salarial de quase 50% do ordenado em caso de atestado médico e sem esquecer os 3 primeiros dias sem qualquer retribuição.
- número de crianças inscritas na escola a diminuir, o que em algumas escolas, se traduz indubitavelmente em horários incompletos porque, simplesmente, não há alunos suficientes para que se possa ter um horário completo.
- profissão que trabalha fora do seu horário de 35h/semanais (22h são letivas) a preparar aulas e materiais ou reuniões para usar essa preparação na aula e depois volta a trabalhar fora desse período para correções, textos, etc. Horas extra, serviço excessivo que não é pago. E que é maioritariamente feito em casa, pois os recursos de que o docente necessita estarão em sua casa.
- quezílias eternas entre professores do quadro e contratados (“A menina é colega ou estagiária?” foi-me perguntado numa sala de professores) -> desunião de classe
- sindicatos numerosos e, alguns, incompetentes.
- estratificação desnecessária e injusta: os professores de AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular) são técnicos, o seu tempo de serviço não é contabilizado para efeitos de concurso no caso de docentes não profissionalizados e o ordenado é miserável; alguns docentes do Ensino Profissional trabalham anos, na mesma escola, a recibo verde e a fórmula de cálculo de tempo de serviço é injusta.
- programas excessivamente complexos e longos, repetitivos e que obedecem a uma série de documentos que vão mudando consoante os ministros da educação e que assentam, maioritariamente, numa visão de empinanço de matéria para a vomitar em testes e exames, ao invés de verdadeiramente ensinar e preparar o aluno para o futuro.
- burocracia desmesuradamente inútil e excessiva em todos os aspetos que envolvem a escola, desde a avaliação dos alunos até aos projetos que são impostos às escolas.
- Avaliação de Desempenho Docente completamente inútil, quotizada, injusta e desnecessária sem qualquer impacto na vida ou carreira ou carteira de um professor contratado mas que impede a justa progressão de um professor do quadro porque há listas e quotas e não há vagas...
- trabalho de secretaria atribuído aos professores: matrículas, impressão de documentos, preenchimento de campos nos programas de gestão escolar, preenchimento de mapas (leite fruta, AECs, EMRC, devolução de manuais, etc.).
- escolas como depósitos grátis de crianças devido aos seus horários alargados e calendários letivos extensos
- existência de ameaças à integridade física e moral do professor (para não falar dos seus pertences).
- a tragicomédia que envolve atestados médicos, substituições e juntas médicas.
- ADSE – motivo de inveja para uns, motivo de horror para outros mas que pagamos por 14 vezes (12 meses, 1 subsídio de Natal e 1 subsídio de férias)
- outros (seguramente mais haverá mas já não consigo elencar e não vou falar sequer de motivação ou (in)disciplina de alunos)
Posto todos estes motivos, sejamos honestos, quem quer ser professor? Quem quer ingressar nesta profissão? Quem vier, virá definitivamente por gosto e vocação e, isso, lamento, não é valorizado. Eu não quero que as minhas filhas sejam professoras, apesar de eu adorar o que faço.
Um dia, e esse dia estará para breve, o ensino em Portugal implodirá e teremos soluções de pensos rápidos a tapar rachas em barragens, veremos a qualidade elogiada no estrangeiro do nosso ensino a desaparecer, teremos um acréscimo da indisciplina, um cada vez maior incumprimento de direitos dos alunos (alunos com necessidades específicas serão os primeiros alvos), veremos pessoas não qualificadas a fazer serviço especializado e teremos cada vez mais alunos sem aulas e profissionais de atestado médico.
Entristece-me um país que não valoriza a profissão que faz todas as outras profissões e que, constantemente, me maltrata, me agoira, me sobrecarrega, não desvaloriza, me arrasta durante anos sem vínculo. Entristece-me um país que sofrerá amargamente com as suas atitudes para com os professores e, até ao momento, navega à toa, sem um plano correto, justo e adequado para professores, alunos e pais.
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Em pleno século XXI, no ano da graça de nosso Senhor 2022, ainda há tempo de antena e gigabytes dedicados a pseudo-oradores que dizem barbaridades do género "antes de o PHDA ter sido inventado" ou "epidemia de PHDA" entre outras belas pérolas oratórias. Ora, desdizendo a comunidade científica e médica de anos de experiência e de estudo, temos, portanto, aqueles que se insurgem contra uma suposta educação tradicional a favor de uma educação para o século XXI, negando ou troçando da neurodiversidade. Hoje PDHA, amanhã autismo, depois de amanhã depressão e no futuro mais próximo qualquer tipo de perturbação neurológica ou mental. Não percebo porque ainda se utiliza a velha e fracassada estratégia do insultar o que achamos errado para defender o que achamos certo. Ou seja e portanto, este "orador" insurge-se contra a educação que surgiu no período iluminista, que visava o ensino dos clássicos e foi restruturada no período da Revolução Industria para um mundo industrializado e capitalista, para defender a educação onde não se diz "não", onde se valoriza um currículo mais alternativo e se critica a estrutura, a rotina. Consigo entender tudo, a sério que sim e sem ironias.
Já dou aulas há 20 anos e nunca me iludi em relação ao ensino-aprendizagem: é uma via de dois sentidos - eu ensino mas os alunos também me ensinam, eles aprendem e eu também aprendo (com eles, com formação contínua, com mais estudos); é precisa uma base afetiva para uma aprendizagem bem-sucedida e duradora - a aprendizagem quer-se prazerosa, para ambos os veículos (o condutor e o recetor), quer-se emotiva, empática. Em suma e de forma extremamente simplista, a aprendizagem quer-se empática em várias frentes. Não é a negar ou a atacar a evolução da educação que incutiremos os valores éticos na educação para o século XXI. Eu acredito muito no envolvimento de todos os intervenientes e só assim sabemos que pode funcionar. Temos de gostar, de sentir a escola, a educação. Embora, eu também tenha a noção de que é extremamente difícil.
Não me perdi nesta minha divagação: eu não posso deixar de entrar na educação para e do século XXI a negar a neurodiversidade. Eu sou neurodiversa. E sou o outro lado da educação: fui aluna, sou aluna sempre que estudo, sou professora, sou aprendiz. E não sou neurotípica. Nem eu nem grande parte da população em idade escolar que será a mesma população em idade laboral e a mesma população em idade idosa, quando? Isso mesmo, no século XXI.
A Escola recebe todos. A Escola tenta dar respostas. Mas não esqueçamos nunca de que, quem faz a Escola, são as pessoas. As pessoas certas, com o coração e o cérebro nos locais certos, fazem a diferença e são a diferença.
Assumamos que há a diferença, que há a deficiência e que nenhuma vida é inferior a qualquer outra. Assumamos que todos podemos contribuir para a evolução e assim sim, conseguir caminhar e entrar na tal educação do século XXI, na tal Escola universal e inclusiva.
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É só o primeiro dia.
Mas só agora desliguei o computador.
Hoje houve de tudo: lágrimas de frustração e de raiva; vontade de atirar PC janela fora; vídeochamadas que foram abaixo milhentas vezes; uma piolha no computador da mãe para perceber onde estava o problema; impressão de dezenas de páginas; envelopes gordinhos com materiais para enviar hoje para alguns alunos (da minha atividade paralela); reunião geral de professores com direito a fazer a ata; agendamento de várias salas de reuniões em plataformas diferentes; atualização de classrooms; elaboração de planos de trabalho para partilha obrigatória aos alunos; elaboração da atividade de S. Valentim para miúdos e graúdos com as devidas adaptações; preparação de material para as aulas; palavras de conforto para filhas, alunas lavadas em lágrimas e pais com dificuldade em colocar os dispositivos a trabalhar; preparação do almoço e jantar; máquinas a lavar e secar; análise das nossas dificuldades técnicas; redação de dezenas de emails; um ibuprofeno para as dores.
Somos 3 a usar rede de internet sem possibilidade de cabo; somos 3 a exigir aos PC que trabalhem em simultâneo em conferências e partilha de ecrã com documentos; somos 3 a recorrer ao telemóvel para nos socorrermos quando há algum problema; somos 3 em aulas diferentes. Todos os dias. Durante as próximas semanas (meses?).
Tem de haver alguma condescendência, dentro da segurança e aprendizagem dos alunos, claro. Tem de haver a perceção de que os equipamentos falham. E tem de haver noção de que isto não é uma extensão do ensino presencial.
E temos de aprender a ter calma. Mesmo. Ter calma. Senão, no final da semana, estamos todos no Sobral Cid. E eu não acredito que estejam a aceitar internamentos agora.
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