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O concurso de recrutamento de professores é a coisa mais complicada de se explicar a quem não é professor (e, muitas vezes, até para quem o é!).
Há listas para tudo e mais um par de botas: de ordenação, de exclusão, de colocação, de não colocação, de desistências...
E ainda há as listas de concurso interno e de concurso externo.
E ainda há o concurso interno para quem ficou vinculado (vulgo, efetivo) que pode ser num QZP (Quadro de Zona Pedagógica que, antes eram autênticos distritos unidos mas agora é um conjunto de vilas/cidades com menor extensão geográfica) ou QA (Quadro de Agrupamento, ou seja, numa escola). Quem ficou em QA já sabe de sua vida, quem ficou em QZP tem de concorrer agora para as escolas dentro desse QZP.
E há a mobilidade por doença e interna (que é quem deseja ficar noutra escola por motivos de saúde ou pessoais).
E chega o concurso externo que é basicamente o mesmo mas sem direitos (doença, deficiência, assistência, redução de horário, etc.): depois destas listas anteriores, o que sobrar, é que é para os professores a contrato que devem manifestar as suas preferências (vulgo, inserir códigos de escolas/agrupamentos da sua escolha mediante as suas opções).
E depois mais listas: as do concurso interno (vulgo docentes de carreira) para se saber para onde vão os que não ficaram em QA; e as do concurso externo em fases: a Contratação Inicial (geralmente no final de agosto só com horários completos e anuais) e as Reservas de Recrutamento (com o resto mas também horários completos e anuais, que vão saindo todas as semanas ao longo do ano).
Há ainda, fora das RR, as Ofertas de escola que são horários com menos de 8h ou depois de 2 negas o que a RR não colocou e que é a própria escola/agrupamento que tem autonomia para o fazer. Podem ser horários completos, anuais, temporários, parciais. Há de tudo como na farmácia.
Portanto, as listas que saíram ontem foram para efeitos de vinculação - as quais não me assistem porque, este ano, por opção, não concorri para vincular. Foi uma decisão extremamente bem ponderada mas agora que saíram as listas pergunto-me se terei feito bem... Ainda assim, acho que não alteraria. Tenho sempre conseguido conciliar tudo e um horário incompleto numa CI ou RR eu consigo completar depois com acumulação. Fico perto de casa, cuido das minhas filhas, estou familiarmente presente e consigo qualidade de vida. Talvez sejam essas as principais premissas a considerar. O dinheiro é importante, claro, tal como a progressão na carreira (e agora os contratados podem progredir até ao 3º escalão, algo impensável até maio deste ano) mas, se quando as minhas filhas eram bebés e eu pagava milhares de euros em terapias, me safava com horários de AEC, mal há de ser que agora que tudo está muito mais estável e não há esses custos, não me safe 😉
Opções. Um dia chegará a minha vez. De forma ponderada, consciente muito bem pensada, como sempre.
Até lá, se ficar onde estou atualmente ficarei extremamente feliz e grata. No final de agosto/início de setembro se verá.
(Aviso:
nem me venham com as cenas das ansiedades e ai e tal é o que escolheste ai e tal eu não conseguiria viver assim. Cada um escolhe o que quer da vida e vive de acordo com essa escolha/opção. Há quem trabalhe por conta própria, há quem trabalhe no setor privado e há quem trabalhe no setor público. Todos contribuem para o desenvolvimento do país e todos têm as suas particularidades e vicissitudes e desafios. Ainda bem que assim é e que o mundo não é uma seca.)
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Este ano estou numa escola nova (depois de uma pequena vida noutra) e os alunos são qualquer coisa de bom, a sério. E são muito curiosos e, claro, mesmo durante as aulas, enquanto nos organizamos (cadernos, livros, o meu computador, etc.), conversamos. Gosto muito deste pequeno "ritual" que ninguém criou e que surgiu espontaneamente. Creio que é bom para todos. Adiante. A certa altura, expliquei que estava à espera de um telefonema importante da escola das minhas filhas e que, por isso, eles ficariam a trabalhar um pouquinho enquanto eu atendia (explico sempre o porquê de eu estar disponível no telemóvel pessoal, sempre). E segue-se um pequeno momento:
"Que idade têm as tuas filhas?" - 16 anos
"Quantas filhas tens?" - duas
"As duas com 16 anos?" - Sim
"Ah, são gémeas?" - sim (eu tenho, este ano, 3 pares de gémeos 😃 adoro)
"São gémeas verdadeiras?" - Sim, são.
"E tu não te enganas a distingui-las?" "Oh, E. claro que não! A teacher é a mãe!" (não lhes disse que, se calhar, no meio da loucura extrema de noites sem dormir e fraldas e gritos quando tinham meses de vida, deveremos ter trocado uma pela outra...)
"E não tens mais filhos?" Não. E agora já estou um bocadinho velha para isso...
"Olha, teacher, a minha mãe ia ter 3 filhos mas o do meio não nasceu..."
"Também aconteceu isso à minha mãe. Eu podia agora ter mais irmãos mas a gravidez não avançou"
Sim, às vezes, com ou sem motivos, isso acontece. Também me aconteceu. Dói mas estamos aqui. Vamos trabalhar um bocadinho? Ok, let's go.
E serve esta conversa toda para quê? Para partilhar o que eles partilharam comigo: a perda gestacional de que, felizmente, cada vez mais se fala e cujo acontecimento deve ser sensibilizado. Acontece e tantas vezes nem sequer há uma justificação para isso... O que me surpreendeu mais foi o facto de os meus meninos terem conhecimento do que se passou com as suas mães, tal como as minhas filhas têm conhecimento de que, durante a minha gravidez delas estiveram sempre acompanhadas por uma bolsa vazia e que, em 2016, houve um bebé que não se formou. E isto é confiar, ensinar e sensibilizar, é envolver todos. A seriedade com que partilharam este momento tão íntimo e doloroso mostra que, apesar da sua idade, sabem do que falam e que doeu aos pais (se calhar, ainda hoje dói); mostra que não há vergonha em dizer que aconteceu e que acontece com imensas mulheres; mostra que os tempos estão realmente a evoluir e que se encara a perda gestacional, independentemente de quando acontece, como uma perda em que há dor e um luto a fazer; mostra que um filho nunca é substituível e todos entram na família; mostra que há ali um sentimento de amor da parte de todos; mostra que se fala abertamente da realidade.
Quando eu digo que ensino crianças (e que até é a faixa etária que prefiro) mas que também aprendo muito com elas, poucos acreditam. Mas é a mais pura das verdades. Esta semana aprendi, com eles, que a resiliência infantil vai muito para além do que possa acontecer diretamente com eles próprios e que os momentos de partilha (de parte a parte) são também uma pequenina parte do processo ensino-aprendizagem. É uma relação de dar e receber, sempre.
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Já há algum tempo que não escrevia sobre coisas sérias. Vamos lá a isso.
Tema: RTP - ou, para leigos, Relatório Técnico-Pedagógico
Ou seja, é o documento que fundamenta a mobilização de medidas seletivas e ou adicionais de suporte à aprendizagem e à inclusão. Deve conter:
a) A identificação dos fatores que facilitam e que dificultam o progresso e o desenvolvimento das aprendizagens do aluno, nomeadamente fatores da escola, do contexto e individuais do aluno;
b) As medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão a mobilizar;
c) O modo de operacionalização de cada medida, incluindo objetivos, metas e indicadores de resultados;
d) Os responsáveis pela implementação das medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão;
e) Os procedimentos de avaliação da eficácia de cada medida e, quando existente, do programa educativo
individual;
f) A articulação com os recursos específicos de apoio à inclusão definidos no artigo 11.º.
A equipa multidisciplinar deve ouvir os pais ou encarregados de educação durante a elaboração do relatório
técnico-pedagógico. O relatório técnico-pedagógico é parte integrante do processo individual do aluno, sem prejuízo da
confidencialidade a que está sujeito nos termos da lei. E deve estar pronto no espaço de 30 (trinta) dias.
Fonte: DL 54 de julho de 2018
Nestes últimos meses, apesar da minha aparente distância, tenho estado atenta. Lamentavelmente, em relação a este assunto, a ignorância ainda é grande - e grave.
Infelizmente, ainda há escolas que, mediante todas as provas irrefutáveis de necessidade de formulação de RTP e referenciação de um aluno - independentemente da sua idade ou ano de escolaridade - ainda resistem à sua elaboração. E/ou aplicação de medidas. Algumas recusam mesmo a elaboração no momento da necessidade porque ratio "alunos com necessidades específicas vs DL 54 vs RTP vs medidas" e eu fico logo ceguinha de raiva e a arder de frustração e rancor e com vontade de correr tudo à chapada porque, quem é que no seu juízo perfeito quer ter um filho a necessitar destes instrumentos e por que há de a escola complicar ainda mais a vida destes alunos (e consequentemente dos seus pais).
Infelizmente também, ainda noto a resistência de alguns pais em assumir que o(s) seu(s) filho(s) precisam de suportes diferentes e que isso não indica nem os torna - de todo! - menos capazes de aprender ou de prosseguir estudos; bem pelo contrário! É um documento que não é estanque, não é permanente, não é definitivo, não é comprometedor - é uma ferramenta de sinalização de que é premente acionar estes e/ou este mecanismo e ter este e/ou este recurso (material ou humano).
Ok, vamos fazer aqui uma pequena, simples e singela comparação: problemas de visão e medidas de suporte. Posso ser aluna, trabalhadora, criança, jovem ou idosa, homem ou mulher (não me venham cá com as cenas dos géneros que para este assunto o que importa é mesmo a dicotomia maculino/feminino). Não vejo bem. Então, vamos criar adaptações, ainda que intuitivas: usar uma lupa para ver as letras pequenas ou fazer zoom no telemóvel, sentar-me mais próximo do que quero ver, afastar/aproximar a imagem/texto para ler melhor, ler sempre o que escrevem no quadro para eu seguir, aumentar a letra no computador ou no telemóvel, piscar os olhos, esfregar os olhos, pedir a alguém para me ler ou descrever o que quero saber, não ler livros em versão papel, etc. Mas, o que NÃO posso fazer porque não mo permitem é usar óculos ou lentes para ver melhor. Porquê? Porque são caros, porque é preciso ter uma receita, porque mais de x% da população já vê mal e isso é uma vergonha para as estatísticas, porque temos de culpar alguém por esse problema e não sabemos quem, porque não quero reunir com ninguém, porque não aceito um relatório do médico, porque a minha mãe não quer, porque eu acho que vejo mesmo muito bem, porque dá trabalho, porque não. Por isso, não posso usar óculos nem lentes e vou continuar a ver mal e a fazer as adaptações mínimas universais quando, na realidade, eu preciso é das seletivas mas nem a minha escola/trabalho nem os meus pais assumem esta necessidade e, por isso, vou sendo empurrada pelo sistema, vou ser prejudicada na minha avaliação e vou ficar aquém das minhas competências por algo que não é culpa minha e que ninguém parece importar-se em minimizar.
Claro que é uma comparação quase idiota e anedótica mas é um pouco o que se passa ainda em Portugal. A deficiência esconde-se, ainda; a deficiência é termo de insulto, ainda; a deficiência dá trabalho, que chatice; a escola já tem mais que fazer do que ainda ter que aturar estes alunos que, ainda por cima, não vão ficar bonitos nos rankings; a escola é para as médias não é para a inclusão. Azeda? Talvez. Revoltada? Sim, ainda. Podemos mudar? Claro que sim! Basta querer! E quem quer?
Fica a pergunta. Agora cada um agirá de acordo com a sua ética e consciência. Individualmente ou em grupo.
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Se as piolhas estivessem no 2º ano, não o fariam. Ponto. E ponto assente e ponto final.
Porquê?
Porque eu tenho estado a treinar com os meus alunos e posso assegurar que isto, para esta faixa etária que ainda mal domina a coordenação óculo-mental-motora da escrita manuscrita, fazer uma prova (uma, não! 2!!!!) extensa a computador onde, ainda por cima, têm campos de escrita, é doloroso como punhais. Quem se lembrou de aplicar isto para crianças tão tenras, nunca viu nenhuma em frente a um computador, a realmente utilizá-lo para trabalho e não para jogos ou redes ou vídeos. Pelo amor da santa!!! A média de escrita de alunos que até dominam a acentuação e o shift e o caps lock é de 10 palavras em cerca de 15 minutos!!!! A prova tem a duração de 90 minutos... Estão a ver a maravilha do ratio, certo?
Entre outras parvoíces técnicas (como não haver opção de salvar/gravar entre etapas ou não haver audio ou o refresh apagar as respostas daquela etapa ou a lentidão do sistema - imagine-se agora centenas de alunos AO MESMO TEMPO a usar a mesma plataforma - ou o botão direito do rato mostrar a correção sugerida para o erro assinalado), a maior imbecilidade é pôr estes alunos a escrever num pc em dia de prova. Alunos com 7 ou 8 anos. Repito: alunos com 7 ou 8 anos.
Senhores sei-lá-quem-se-lembra-destas-coisas lá da tutela dinossaurica wannabe-moderno da capital: alguma vez estiveram sentados ao lado de alunos com estas idades a trabalhar com eles? Alguma vez pensaram minimamente nestes alunos? Acham mesmo que isto é evolução tecnológica? Acham mesmo que a ansiedade acrescida quando chegar a altura de escrever um texto cheio de linhas vermelhas sem que percebam como corrigir é algo benéfico? Acham mesmo que fazer contas num pedaço de tela é pedagógico? Isto é avaliação? Principalmente, numa prova que conta zero para a avaliação formal do aluno? Poupem-nos.
Filhos meus não fariam a prova. Ponto. E faria uma exposição ponderada do porquê para envio a quem de "direito".
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Às vezes, penso que algo de errado se passa comigo, só pode. Sempre fui de estudar. Aliás, deve ser das poucas coisas que sei fazer relativamente bem e que me dá aquela injeção de dopamina de que o meu cérebro tanto gosta. E, mesmo prometendo a mim mesma que vou levar as coisas com mais calma, acabo por nunca cumprir bem essa promessa...
Quando as piolhas andavam no 2º ano de escola, decidi aproveitar uma oportunidade única, assim, meio em piloto automático, e tirar a minha especialização. Se, para muitos colegas, foi a walk in the park, para mim foi terrível pois aproveitava cada minuto, contado pelo relógio, com as piolhas fora de casa para fazer os trabalhos, os exercícios, ler aquela bibliografia toda e ainda preparar as minhas aulas, porque, apesar de, na altura, ser professora de AEC (professora e não técnica, independentemente do que dissesse o contrato), eu sempre preparei materiais, planificações, avaliações e relatórios. E, porque o ordenado era escasso, ainda dava aulas por fora, no final do dia. Portanto, estudava, trabalhava e continuava a ser a mesma mãe atípica que já era. Correu bem. Tive uma boa nota, consegui a certificação e obtive a especialização que me permitiu abrir horizontes e ficar colocada desde pouco tempo depois.
Entretanto, fui fazendo vários cursos, alguns online outros presencialmente. Tudo, com imenso para ler (obviamente...) mas sem grande problemas com as notas, até me ter lembrado de fazer um curso tripartido pela Universidade de Genebra... Alguns testes, deuzmalibre, não eram nada fáceis e o mínimo exigido eram 85%, portanto, ou era mesmo à séria ou não terminava.
Este ano, meti na cabeça que iria voltar a estudar pela faculdade... E aprender a nadar... As piolhas já não precisam tanto de mim como antes, estão muito autónomas nos estudos, só pedem ajuda para adquirir ou encontrar alguns materiais específicos, estão mesmo por conta delas, com o nosso apoio em background. E lá fui eu toda lampeira. E sobrevivi a dois rounds de aulas e avaliação (o meu primeiro 16 na faculdade de letras de Coimbra - in the house!!! - cotas, como eu entenderão :P ), estou a caminho de mais um e já consigo nadar, sem apoios, na parte em que tenho pé, e só com placa na parte funda. Nada mau, portanto! E continuo a estudar outras coisas (inscrevi-me numa série de workshops - para quê, porquê, meu Deus????), a trabalhar e a ser a mãe atípica que sempre fui.
Estou, portanto - e passo a redundância de "portantos" - estoirada... Mas, interiormente e lá no fundo, muito orgulhosa de mim mesma e do que tenho aprendido. E de mostrar às minhas filhas - e aos meus alunos quando lhes digo que também tenho um teste para o qual preciso de estudar - que, mesmo em adulto e com uma vida formada - é possível continuar a querer sempre mais e a investir em nós mesmos, por muito irrisório que possa parecer. Aprender a nadar é apenas mínimo para muitos mas, para mim, aos 42 anos, é imenso. E a idade já não ajuda em muitas coisas, acreditem!! Mas é compensador porque é possível, é exequível e é muito bom!
Custa muito mas vale a pena. Há um tempo para tudo, poderão alguns dizer. E qual é esse tempo? Eu decido ;)
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As novas propostas de revisão dos concursos interno e externo para professores vão, clara e largamente, prejudicar os alunos – em especial, os alunos que usufruem do DL 54, nas suas vertentes mais abrangentes (medidas seletivas e adicionais). Na minha ótica de professora contratada e mãe atípica, posso assegurar que a minha interpretação do documento emanado pelo MEC, é de retaliação disfarçada de propostas de pseudo-segurança e pseudoestabilidade para docentes – e, consequentemente, os seus alunos. Mas não é só para professores contratados: os professores em quadros de zona ou de escola também têm o seu lugar ameaçado e à disposição quase despótica do ministério – não há quase nenhuma margem para mobilidade e esqueçamos a mobilidade por doença que ainda muito se alterará em relação a isso. A indignação é enorme e o caos, se ainda não se instalou, instalar-se-à, não duvidemos. Professores sem a menor estabilidade e na maior precaridade desde os ids anos 2000, irão, seguramente, desistir do ensino e eis o resultado anunciado que é mais que evidente: a escassez de professores trará disciplinas com 0% de aulas (e obviamente, avaliação).
Eu queria muito, mesmo muito, acreditar num sistema de ensino de qualidade – que é possível e temos muitos profissionais que o proporcionam -, inclusivo – que também é possível e, mais uma vez, há muitos profissionais que o proporcionam – mas, honestamente, começo a perder a esperança, vejo o (meu) futuro um bocado cinzento e cada vez mais incerto, temo que muitos alunos perderão aprendizagens essenciais (as verdadeiras, não aquelas que alguém decidiu colocar num documento em que temos de fazer copy-paste para 300 outros), temo que o nosso frágil sistema de ensino se torne anedótico nacional e internacionalmente, temo que vamos todos perder educação. E o resultado não será um povo analfabeto como nos idos anos 50 mas um povo relativamente literato (o básico) mas sem capacidade de discernimento, pensamento crítico ou de questionar – será um povo fácil de manipular, logo, de governar.
Agora vamos entrar na escola, numa sala de aula com uma turma de 2º ciclo, digamos, em que temos cerca de 20 alunos, 2 deles com RTP (em incumprimento com o estabelecido no Despacho Normativo que regulamenta o nº de alunos/turma quando há alunos com necessidades específicas com Relatório Técnico Pedagógico) e cerca de 5 com Medidas Universais. Entre outras, uma das medidas para os alunos com RTP, é o apoio de Educação Especial mas não há professor porque o horário é de apenas 10h = 620 euros e, com a obrigatoriedade de concurso a dez QZP, muitos contratados não arriscam. Este horário não pode ir para ninguém do quadro pois os horários desses professores já estão preenchidos. Portanto, entre reservas de recrutamento vazias ou rejeitadas e ofertas de escola incompatíveis com acumulações, estes 2 alunos com RTP não usufruirão de um dos seus direitos, serão diretamente prejudicados no seu sucesso académico e o MEC não quer saber. E, agora, multipliquemos isto por milhares de alunos em milhares de turmas e vamos mais longe: alunos de necessidades específicas em unidades multideficiências em que há falta de professores especializados. Quem é o grande prejudicado? Pois é. Não se pensou para além do óbvio.
O percurso escolar das piolhas está na sua reta final, já não tenho grandes preocupações em relação ao que lhes possa acontecer porque, lá está, entretanto, terminarão e uma nova fase se seguirá. Mas não consigo deixar de pensar nos meus alunos. A escola como a conhecem agora – que é o dito “normal” para eles pois não conheceram outras versões – irão enfrentar uma era sombria e não sei se haverá luzes no fundo do túnel, nem sequer com a suposta ajuda do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.
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Talvez seja sonho, talvez seja ilusão - talvez seja, apenas, sorte - mas eu ainda acredito numa escola inclusiva.
O que eu entendo por escola inclusiva é aquela que abre as suas portas a todos os alunos, independentemente das suas características, sejam elas físicas, mentais, neurológicas, de nacionalidade, de credo, de status.
É aquela que encontra os recursos humanos e materiais e fornece aos seus alunos as ferramentas para que possam alcançar o sucesso nas suas tarefas - sejam elas escolásticas ou vivências do quotidiano - através de recursos humanos dotados do que necessitam para realizar o seu trabalho (e que, na minha ótica, tem de incluir, obrigatoriamente, empatia, sensibilidade, sentido de adaptabilidade e flexibilidade e uma constante vontade de aprender).
É aquela que para de insistir em cursos da treta só para fazer números e se autopromover à conta de financiamentos de siglas do tamanho de meio alfabeto. É, ao invés, aquela que tenta pensar fora do comum e procura a promoção do sucesso dos seus alunos através de ações bem documentadas, na altura apropriada, e consegue fazer a ponte entre vida escolar obrigatória até aos 18 anos/12º ano e a vida pós-escolar, com a colaboração conjunta de pais-técnicos-médicos-professores para que se tome a decisão mais acertada possível, tendo em consideração as capacidades, dificuldades, autonomia, perspetivas, etc do aluno. Seja ele um aluno com ou sem deficiência.
É aquela onde nos sentimos seguros, motivados e respeitados - os alunos, os pais e os professores - e sentimos que podemos fazer sempre mais, dar sempre mais um pouco de nós.
É aquela que consegue ver para além do óbvio, seja um diagnóstico, seja um rótulo, seja mesmo um processo escolar agregado... sou adepta do start from scratch e de dar sempre uma segunda oportunidade; somos todos diferentes e interagimos de forma diferente com pessoas diferentes.
Pode ser uma utopia mas quero muito acreditar que, algures, é possível e que, pouco a pouco, haja cada vez mais pessoas empenhadas em tornar essa escola uma realidade. Porque, eu sei que é quase possível. Nunca será o pináculo da perfeição mas poderá estar muito próximo do cumprimento legal e básico de direitos humanos - os direitos de todas as crianças.
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Ontem não dei aulas. Ou melhor, não dei aulas na escola. Foi dia da manifestação e greve por distritos em Coimbra e eu fui, com a minha escola.
Não sou a única prejudicada. Os meus alunos são prejudicados. São prejudicados:
- quando não podemos dar-lhes os recursos de que necessitam porque o ministério da educação não autoriza;
- quando são confrontados com um porgrama curricular estupidamente extenso, cheio de conteúdos para vomitarem num qualquer exame ou prova;
- quando são cobaias de programas e programinhas, projetos e projetinhos, cenas e ceninhas para mostrar serviço de um qualquer senhor sentado num gabinete, lá na capital;
- quando são confrontados com quotas até para poderem beneficiar das medidas do DL 54;
- quando mudam de professor no final do ano letivo, com sorte, ou de mês a mês, com pouca sorte, ou nem têm professor, com azar;
- quando a faixa etária dos seus professores ronda os 60 anos e já nem a paixão pela profissão faz o devido milagre porque estão cansados, desmotivados, desrespeitados;
- quando o professor contratado nunca mais volta a trabalhar com eles porque foi para outra escola, com sorte;
- quando, por arrasto das condicionantes da profissão docente, nem eles têm estabilidade;
- quando têm perante si um professor doente ou com familiares doentes mas não pode ter mobilidade por doença, ou porque não tem direito a ela por ser contratado ou porque, apesar de ser do quadro, mudaram as regras a meio do jogo;
- quando professores e auxiliares são mal pagos, em comparação com os vencimentos das mesmas profissões na UE;
- quando o dinheiro para a educação é ao cêntimo e à míngua mas outras entidades é ao estilo buraco sem fundo e basta pedir;
- quando as negociações com sindicatos são um gozo perpétuo e indigno para com os docentes.
E podia continuar mas estou cansada. Ninguém, da comunidade escolar (que são todos os intervenientes diretos ou indiretos), merece isto. Agora, cada um que decida o que fazer. Eu estou farta de prejuízos. E dispenso bem as bocas "tens pouco tempo de serviço porque nunca concorreste para longe" - a minha família vem primeiro senão não teria constituído família (autismo à parte). Assim simples. São opções. E eu durmo bem com isso.
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