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O moço dos Green Day pede para só o acordarem quando setembro acabar, nós começamos em celebração ao estilo ano novo - alias, para quem como nós (o coitado do marido vem de arrasto) vive em formato anos letivos, não entende lá muito bem o porquê de um janeiro que nem a meio chega a vir... Portanto, este ano foi mesmo um Feliz Ano Novo em setembro e juro que para o ano compro confetis e foguetes de bolos. Em 2023-2024, todos vamos ter novos começos, novas aprendizagens, novas turmas e colegas e um novo ano, pois claro. Decisões extremamente bem pensadas e estudadas durante o verão e frutos que esperamos colher desse esforço.
O verão foi cruel, como diz aquela música. Foi-se embora e nem nos deixou despedirmo-nos decentemente. Mas foi, mais uma vez, tempo de aprendizagens e nós somos mestres nessa arte. Nesta fase, creio que seria justo já uma graduação honoris causa em várias mestrias. Ora, então, entre idas rápidas a rios e piscinas locais, picnics fantásticos e imprevistos, concertos (sim, no plural) que me fizeram sentir que já compensei a minha Noite do Cortejo de há mais de 20 anos com um sabor muito mais especial por ter as piolhas comigo e a brutalidade fenomenal do espetáculo que foram os Hybrid Theory (a banda de tributo aos Linkin Park), este verão decidimos que havia coisas que tínhamos de ser nós mesmos a fazer. E é aí que entra o nosso espírito meio louco e desenrascado e de horas de pesquisa (como é que nós vivíamos sem net, como??? Viva o Youtube, minha gente!).
Continuamos a potenciar a autonomia e independência das nossas filhas, a vários níveis, apesar de ainda termos muitas coisas para treinar e aprender. Apesar de terem a permissão e a flexibilidade para poderem sair com quem quiserem e para onde quiserem, cumprindo regras básicas, obviamente, às vezes, mesmo connosco, não o querem fazer. Não são miúdas que queiram ter uma vida social estrondosa fora de casa. Claro que, naturalmente, acaba por nos poupar cabelos brancos, horas sem dormir e rugas de preocupação, mas as coisas são o que são e respeitamos e aceitamos as suas decisões e opções. Ficam sozinhas em casa? Tal como qualquer adolescente minimamente responsável e respeitador, sim, claro que sim. E é uma extrema confiança nelas e para elas.
Decidimos poupar mais de quatro dígitos de reparações automóveis, depois de um subsídio de férias ter sido friamente arrancado da nossa posse because reparações, e aprendi coisas como reconstrução de cabos elétricos, cravar terminais elétricos e distinguir os vários tamanhos, formatos e medidas, verificar passagem de corrente e utilizar as várias opções de um voltímetro, achar o máximo ao uso de manta retrátil e cuidados com a pistola de ar quente, montar e desmontar coletores de escape e parafernália acessória (what??? Mas que raio andaram eles a fazer? Eu explico: reconstruímos toda a parte elétrica do motor do meu carro. E sim, os mercedes dos anos 90 realmente fazem um milhão de km mas tem de ser muito rápido e nunca demorar 30 anos menos de um quarto disso, ok? E digo eu com total conhecimento de causa porque problemas crónicas will be problemas crónicos), trocar módulos chatos de portas (o que implicou desforrá-las - é uma treta, vão por mim) e atentar na posição de espias e fechaduras (desta feita, na viatura alemã millenial do marido) e mais umas cenas que nem sei bem como se chamam mas que já vi como se fazem e nenhum mecânico me leva a melhor na revisão ou substituição de algumas coisas, ah pois é que isto do ser classe média trabalhadora pagadora de impostos manda desenrascar. E com a gata sempre a vigiar, sempre.
Aprendi imenso também sobre algumas tradições britânicas em relação a festividades que assinalo com os meus alunos e que tenciono reproduzir e abordar, ao devorar episódios atrás de episódios da série "Call the midwife". Fiquei fã e fascinada. E terminei, não aquele sabor terrível que a série "Lost" deixou, mas com muitos mixed feelings a série "The Blacklist".
Li menos do que queria e escrevi muito menos do que queria. Mas permiti-me descansar muito e sempre que precisava de o fazer; abracei aquela coisa do self-care e teve mesmo de ser. E incitei as piolhas a fazê-lo também. Férias são férias e têm de servir para descansar, recuperar, relaxar, sair com as amigas, beber um copo, tomar um café fora, dizer "hi, Barbie!" sempre que víamos alguém de cor de rosa e rir muito, ir ao sushi e aos hamburgueres, humilhar a gata com cartazes "cat shamming". Pela 1ª vez em quase 30 anos voltei a mergulhar na piscina mais gelada que conheço, onde estivemos já quase de noite, quase depois do pôr do sol, num silêncio de pessoas, num espaço quase só nosso. A coisa mais fantástica que fiz, sozinha, foi servir de tradutora oficial de um casamento pelo registo civil. Foi incrível e indescritível e fiquei tão feliz como se do meu casamento se tratasse, trouxe-me memórias tão presentes, foi único.
Fizemos muitas coisas diferentes, imprevistas, doidas e criámos memórias. Não foi um verão perfeito mas foi único. E isso preparou-nos para este ano novo que começamos este mês. E que nos traz tantas coisas boas que só temos de ser gratos e aceitá-las com sorrisos largos.
Feliz Ano Novo!!
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A partir do momento em que não tivemos mais serviço para fazer nas escolas, eu e as piolhas, dedicámo-nos ao descanso e a outras atividades. Precisamos, merecemos e é-nos muito necessário. Porque, sem culpas, é preciso parar para recuperar e isso não é desistir, é descansar para continuar.
Então, se não trabalharam nem estudaram, que fizeram?
- mantivemos as aulas de bateria, natação e ioga e a mãe fez gazeta (lá calha, e, sinceramente, essa coisa dos semestres dá-me cabo da cabeça, portanto, a mãe fez gazeta e esteve com as filhas)
- cuidámos da gata que ficou doente, com muitos cuidados, até ter recuperado por completo
- fizemos atividades de Páscoa, programadas inteiramente pela tia
- dedicámo-nos à séria a uma spring cleaning em que nem os edredões de inverno escaparam
- mudámos algumas coisas em casa - ora, não servissem as limpezas profundas também para isso -, doámos muitas coisas e exterminámos outras tantas (como diz uma amiga nossa)
- a mãe leu muito: enquanto esperava pelas piolhas, pelas máquinas de lavar, à hora da ceia; nós desenhámos como se o mundo dependesse disso
- comemos imenso pão (ai mai godji, tanto pão que se comeu nesta casa, nestes dias), com tulicreme, manteiga, chocolate de avelã - you name it. E panquecas, que a E. já aperfeiçoou a sua técnica e agora não quer outra coisa
- experimentámos pizzas à la nossa moda com ingredientes inesperados e jantares improvisados que lembravam pequenos-almoços ingleses
- atualizámo-nos em relação a séries
- vimos flores, tirámos fotos, tentámos fazer coisas novas, íamos estragando a plastificadora e ficámo-nos pelo que é simples
- voltámos a tentar conduzir e fazer manobras simples
- repetimos rituais em lugares sagrados, mesmo não sendo religiosas, mas sempre com respeito e saber-estar
- fomos a festas
- pegámo-nos como se pegam os irmãos e ouvimos ralhetes dos pais
- dormimos até mais tarde e a mãe fez sestas
- voltámos a jantar em tabuleiros nos sofás da sala (com muuuuuito cuidado)
- apanhámos secas porque a mãe assim o exige e porque parece que a vida real também
- houve cenas de gaja com cera por todo o lado, pinças e vernizes
No fundo, fizemos imenso mas nada relacionado com a escola. E, no fundo, sabia bem mais uma semana...
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Às vezes, penso que algo de errado se passa comigo, só pode. Sempre fui de estudar. Aliás, deve ser das poucas coisas que sei fazer relativamente bem e que me dá aquela injeção de dopamina de que o meu cérebro tanto gosta. E, mesmo prometendo a mim mesma que vou levar as coisas com mais calma, acabo por nunca cumprir bem essa promessa...
Quando as piolhas andavam no 2º ano de escola, decidi aproveitar uma oportunidade única, assim, meio em piloto automático, e tirar a minha especialização. Se, para muitos colegas, foi a walk in the park, para mim foi terrível pois aproveitava cada minuto, contado pelo relógio, com as piolhas fora de casa para fazer os trabalhos, os exercícios, ler aquela bibliografia toda e ainda preparar as minhas aulas, porque, apesar de, na altura, ser professora de AEC (professora e não técnica, independentemente do que dissesse o contrato), eu sempre preparei materiais, planificações, avaliações e relatórios. E, porque o ordenado era escasso, ainda dava aulas por fora, no final do dia. Portanto, estudava, trabalhava e continuava a ser a mesma mãe atípica que já era. Correu bem. Tive uma boa nota, consegui a certificação e obtive a especialização que me permitiu abrir horizontes e ficar colocada desde pouco tempo depois.
Entretanto, fui fazendo vários cursos, alguns online outros presencialmente. Tudo, com imenso para ler (obviamente...) mas sem grande problemas com as notas, até me ter lembrado de fazer um curso tripartido pela Universidade de Genebra... Alguns testes, deuzmalibre, não eram nada fáceis e o mínimo exigido eram 85%, portanto, ou era mesmo à séria ou não terminava.
Este ano, meti na cabeça que iria voltar a estudar pela faculdade... E aprender a nadar... As piolhas já não precisam tanto de mim como antes, estão muito autónomas nos estudos, só pedem ajuda para adquirir ou encontrar alguns materiais específicos, estão mesmo por conta delas, com o nosso apoio em background. E lá fui eu toda lampeira. E sobrevivi a dois rounds de aulas e avaliação (o meu primeiro 16 na faculdade de letras de Coimbra - in the house!!! - cotas, como eu entenderão :P ), estou a caminho de mais um e já consigo nadar, sem apoios, na parte em que tenho pé, e só com placa na parte funda. Nada mau, portanto! E continuo a estudar outras coisas (inscrevi-me numa série de workshops - para quê, porquê, meu Deus????), a trabalhar e a ser a mãe atípica que sempre fui.
Estou, portanto - e passo a redundância de "portantos" - estoirada... Mas, interiormente e lá no fundo, muito orgulhosa de mim mesma e do que tenho aprendido. E de mostrar às minhas filhas - e aos meus alunos quando lhes digo que também tenho um teste para o qual preciso de estudar - que, mesmo em adulto e com uma vida formada - é possível continuar a querer sempre mais e a investir em nós mesmos, por muito irrisório que possa parecer. Aprender a nadar é apenas mínimo para muitos mas, para mim, aos 42 anos, é imenso. E a idade já não ajuda em muitas coisas, acreditem!! Mas é compensador porque é possível, é exequível e é muito bom!
Custa muito mas vale a pena. Há um tempo para tudo, poderão alguns dizer. E qual é esse tempo? Eu decido ;)
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Tenho estado rodeada de doutores e nunca usufruí dos seus conhecimentos. Eu sei, ingrata que sou. Todos estes licenciados, na tão prestigiada Universidade da Vida, na qual só entramos se tivermos uma média de palpites altíssima e um atestado igual aos de condução renovados aos 80 anos, são até uns bons-samaritanos: nunca lhes falta diagnóstico, receituário ou até uma 2ª opinião. A verdade é que eu sou mesmo uma mal-agradecida.
Desconstruamos.
Educação
- O teu primo é sempre tratado por “senhor doutor” na escola onde está a dar aulas. Tu, nem percebo que professora és, que não tens paciência nenhuma e só falas alto e coitados dos teus alunos. Fosses como ele e o mundo seria muito melhor.
- O que dás às miúdas para terem tão boas notas e serem tão educadas? Qual é o medicamento porque alguma coisa tens de lhes dar.
- não há bullying, isso são tudo mal-entendidos.
- As miúdas são autistas porque vocês as colocaram numa creche quando nós é que as estávamos a educar.
A realidade: ele só deu um ano de aulas (e fez muito bem), eu dou aulas há 20 anos, continuo a falar alto (fruto de uma educação serrana e da profissão) e continuo a não ter paciência nenhuma. No entanto, deve haver poucos que se preocupem com os alunos como eu, mas isso não se vê e se não se vê, já sabemos que não existe.
Não dou medicamentos às miúdas, o médico dá quando ele acha necessário e o que acha necessário. Não há medicamentos que tornem as pessoas mais inteligentes ou mais educadas. Lamento a desilusão. Mas quando houver eu aviso e tornar-me-ei acionista dessa farmacêutica.
Houve bullying sim, não houve mal-entendidos nenhuns, mas sabemos como o sistema funciona. “Bem prega Frei Tomás…”
Não, as miúdas são autistas porque a genética é fodid@, não tem a ver com a educação distorcida dos avós.
Medicina e especialidades
Pediatria
- As meninas são tão lindas, elas falam mais tarde, cada criança tem o seu ritmo.
- Elas são muito agitadas porque são crianças, todas são assim.
- Elas falam inglês porque tu as pões a ver televisão em inglês.
- A minha filha também não gosta de ervilhas e não é nada como tu dizes, está tudo normal.
- Isso são tudo coisas da tua cabeça, qual é o mal de não falarem nada aos 3 anos e usarem fralda até aos 5?
- Tu é que as pões doentes.
A realidade: diagnóstico de perturbação do espectro do autismo na primeira consulta de desenvolvimento, confirmado desde então, agosto de 2010 até janeiro de 2023. Autistas não verbais, altamente desreguladas e desfasamento de comportamento, questões sensoriais e tudo a que temos direito, pois claro.
Neurodesenvolvimento:
- As meninas não têm nada, lá estás tua a exagerar.
- Elas são tão bonitas. E até têm boas notas sem medicação.
A realidade: mantém-se o tal diagnóstico de perturbação do espectro do autismo da primeira consulta de desenvolvimento, confirmado desde então, agosto de 2010 até janeiro de 2023.
Dermatologia:
- Ela lá arranca cabelo, lá estás tu com as tuas coisas! Isso passa! Vai cortando que isso passa.
- As meninas não têm piolhos!!! Tu é que andas doida!
A realidade: tricotomia e uma estereotipia autista.
Sim, as meninas apanharam uma carrada de piolhos tal que andei semanas a asfixiar peluches em sacos de lixo, a lavar legos na máquina da loiça, a passar os colchões e sofás a ferro de vapor e a lavar carpetes de joelhos. Portanto, sim, os piolhos existem e qualquer criança pode apanhar, em especial, se partilharem almofadas e mantas e tapetes como elas o faziam na escola.
Oftalmologia
- Tem lá miopia num só olho! Tu dizes cá cada coisa.
- As consultas de revisão são geralmente daí a 12 ou 14 meses. Vê se te acalmas.
- como é que uma gémea tem miopia e a outra não?
A realidade: -3,5 no olho esquerdo. Apenas. E já mudou de lentes 3 vezes. Em pouco mais de ano e meio. Vá, minto: descobrimos no mês passado que também tem agora (AGORA) -0,5 no olho direito.
Os gémeos, mesmo os monozigóticos, podem e terão sempre algumas diferenças pois apesar da partilha idêntica e ADN é isso mesmo – idêntico e não 100% igual.
Ortopedia
- As meninas estão tão crescidas, vão ser mais altas que tu. Mas porque estás a dizer que não? Que raio de mania que tu tens, sempre a pôr defeitos nas miúdas!
- Elas serão altas sim porque tu és alta.
- Tem a coluna torta por causa das mochilas que carregavam, contigo também foi assim.
A realidade: ossificação da ilíaca completa com sinal de Rissler bem visível significa que a componente ósseo-esquelética já está toda formada e a probabilidade de se crescer mais será muito reduzida.
A altura de um indivíduo varia de muitos fatores e pode não ser herdada via linha materna.
A escoliose aqui é idiopática, ou seja, sem causa e muito característica nos adolescentes, não tem nada a ver com mochilas, até porque a gémeas monozigótica carregava bem mais peso e não tem escoliose severa.
Psicologia
- mas por que raio têm elas psicologia? Andam doentes? Deprimidas?
A realidade: são autistas, faz parte dos apoios técnicos a usufruir e muitas das sessões serviram de preparação para a etapa escolar seguinte.
Planeamento familiar
- Ficava-te agora tão bem mais um filho.
- E por que não? A filha da vizinha da prima da sogra da tia também foi mãe de novo aos 47!
- Como é que tu sabes que viriam mais 2? Ou autistas? Lá estás tu!
A realidade: não. Não quero. Não quero. Quero ser egoísta e ir para os copos com as amigas, poder dormir toda a noite e/ou toda a tarde, não gastar dinheiro em fraldas e leites, aproveitar as minhas mamocas que estão todas giras, sair sem carregar ovos.
As estatísticas são-nos muito estranhas… A probabilidade de voltar a ter gémeos é maior do que eu ganhar uma raspadinha. Dizem que há hereditariedade e genética. Logo……
Enfermagem:
- Essa testa vai precisar de pontos, mania das modernices desses autocolantes.
- 38º não é febre. A febre combate as infeções.
A realidade: a testa, aliás, as testas de ambas, não precisaram de pontos e sim, numa delas, foi até ao osso. 38º é febre sim e uma delas vai dos 37,2º aos 39 em questão de minutos, portanto, creio que uma pequena ajuda medicamentosa não é de descurar.
Economia e Finanças
- As meninas com essa idade já mexem num computador?
- Vais-lhes dar um telemóvel?
- Este dinheiro é só para quando elas tiverem 18 anos.
- Vocês são uns ingratos! Pagam-vos o apartamento e ainda são como são.
A realidade: sim, mexeram num computador assim que se aperceberam que tinham dedos que se mexiam e olhos que se moviam. Sim, também tiveram um telemóvel no último ano do 1º ciclo (de teclas e a partilhar) e depois um iPhone 4, porque, olhem, é a loucura e o status.
Aos 18 anos já não precisamos de fazer terapia da fala, terapia ocupacional, psicologia, fisioterapia, coletes corretivos, logo, se é para ajudar é quando precisam e não quando já não precisam destes apoios. Calma, que não lhes faltará dinheiro para a carta de condução nem propinas e carro já têm porque, olhem, é a loucura e o status.
Se eu tivesse quem me pagasse a casa, garantidamente, não vivia num T2. Ga-ran-ti-da-men-te.
Que posso mais dizer? A partir deste momento, burra e ignorante que sou – não esquecer o ingrata e mal-agradecida, só os doutorados à minha volta é que sabem, não é assim? Portanto, smile and wave, boys, smile and wave.
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É seguro dizer que encontrei a minha tribo. Aquele grupo de mulheres maravilha que me permite ser eu mesma, que me permite ser atípica, que me permite ser mãe atípica e que me dá espaço quando não quero (ou não consigo socializar).
Durante toda a primeira infância das piolhas não tive saídas ou vida social - porra, pá, não tive "amigas" (só podia contar, com duas ou três pessoas e a distância não ajudava. A minha adorada L. fez tanto por mim... já não amigas assim). Era impossível sair para um simples jantar e custava-me muito pedir aos avós que ficassem com elas quando eu sabia o quão cansativas e exigentes elas eram e o quão mal (e pouco) dormiam. Um dia, mais crescidas, a minha lourinha favorita, como carinhosamente lhe chamo, convidou-me para um jantar e foi como se renascesse. A minha melhor amiga emigrara e, apesar de o marido ser sem dúvida o meu melhor amigo, há coisas que só se discutem com gajas. São a minha tribo, sem dúvida, mesmo quando eu não quero uma tribo.
Uma das coisas que mais ânimo me dá é poder ter uns minutinhos e tomar um café com elas antes de ir para as aulas. Não sei colocar por palavras o quão importantes são e o quanto gosto delas, por estes pequenos momentos que me dão porque, para mim, sabem a muito e são grandes. E posso ser eu mesma, com todas as minhas características estranhas e mau feitio e sempre a acelerar que elas não me julgam, nem me criticam, nem se importam. E isso vale ouro. Já me viram rir até às lágrimas e também já me enxugaram lágrimas. E também já as fiz chorar comigo (desculpas à minha professora de matemática favorita - que é mesmo, senão eu nunca diria isto).
Sei, no meio desta melice toda, que sou afortunada por ter bons corações ao meu redor. Obrigada.
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"Tu não tens vida!"
"Vais acabar o curso e casas-te logo, é?"
"Queres acabar como os teus pais?" (O meu pai era emigrante mas a minha mãe não).
Ouvi isto tantas vezes em miúda. Magoava-me profundamente mas eu não desgostava de todo de como as coisas corriam. Com muita dificuldade, é certo, mas os meus pais estavam lá para mim, apesar de serem muito conservadores em relação a algumas coisas. Se tivesse uma vida como a deles, em que alcançaram com sucesso os seus objetivos, não estaria mal.
Quanto ao ter vida, tenho a vida que escolhi e adaptei-me ao que me foi imposto. Casei mal fiz o estágio, é certo, mas deveria ter casado mais cedo - afinal até já estava a pagar casa e tudo. Foi uma das melhores decisões da minha vida
Ontem, disseram às piolhas que não tinham vida e que estavam fartos delas. Pois, temos pena. Eu também estou farta de gente parva e, no entanto, eis-nos aqui.
As piolhas, ainda estavam na minha barriga, e já tinham coleções de Beatrix Potter e idas à praia, por exemplo. Sempre nos regemos por sermos uns pais rigorosos, presentes e esforçados. Nunca lhes faltou absolutamente nada e têm vivências incríveis, desde as mais loucas (speedboat no Tejo ou rappel nos bombeiros ou idas à neve acabada de cair) às mais comuns (um fim de semana fora, um almoço na praia, ver o pôr do sol à beira mar) às do momento (tomar o pequeno almoço na praia a ver o nascer do sol ou levar um termo com café para a serra ou almoçar chinês em casa). Elas têm experiências únicas, são amadas até doer, são miúdas esforçadas e educadas. Isto é vida. Isto é viver.
Doeu muito ouvir isto. Doeu tanto que fiquei com tanta raiva e tanta mágoa que, à noite, eu estava exausta.
Os miúdos conseguem ser cruéis. E conseguem ser maldosos. O que elas ouviram foi dito com maldade, não foi na brincadeira.
Mas, como lhes costumo dizer, elas são superiores a isso. Tal como eu fui superior às bocas foleiras que me mandavam antes. Como também costumo dizer, o verde fica mal a muita gente.
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Antes de terminarmos o ano temos mesmo que falar de algo de que ninguém fala: esse flagelo que (i)afetou a nossa TV por cabo nos últimos tempos e que raramente falha ao longo do ano. Sim, falamos dos filmes da Hallmark. As piolhas partem-se a rir com aquilo, o marido adora "não há mortos, não há feridos, todos se dão bem, é só paz e amor ao bicho... melhor que essas porcarias que vocês veem" - entenda-se, séries criminais, policiais e afins (geralmente, envolvendo uma ou outra cena de morgue).
É de mim ou quem vê um filme destes, vê todos os filmes destes? Vejamos lá, então: há sempre um progenitor que faleceu e a criança fica sempre órfã de mãe ou de pai (geralmente de mãe o que enfurece as piolhas que dissertam logo sobre justiça divina) e a hipoteca paga, pois claro, pois só assim é que conseguem manter ou pagar sozinhos a prestação para o empréstimo de uma habitação daquele género. Além disso, são pessoas bem sucedidas e dadas às humanidades (geralmente escritores, editores, donos de livrarias ou de lojas de arte/música, um ou outro chef ou doceiro) que vivem em locais com paisagens idílicas no outono (vinhas, há sempre vinhas) e no inverno (há sempre uma casa rústica, na mesma localidade onde vive o Pai Natal e ele tem a sua oficina de elfos). E as crianças? Bem, são educadas segundo modelos de parentalidade positiva berra-me baixo: não fazem birras, não têm ciúmes do/a amigo/a da família que se torna mais próximo, são obedientes e até lavam os dentes antes de ir para a cama, arrumam os brinquedos e os adolescentes não têm crises existenciais. Também se dão todos bem com a geração anterior: os pais são uns fixes, cheios de sabedoria e sapiência, dão conselhos muito sábios e não há nunca desentendimentos e muito menos segredos obscuros de família de que ninguém pode saber.
E, tem de se referir o que acontece sempre, sempre mas sempre: o beijo que nunca chega a ser beijo porque é interrompido... ohhhhhh que beleza...
Do que eu gostava mesmo mesmo mesmo de saber é onde podemos comprar o que eles tomam, a sério que sim. São todos calmos, serenos, bem sucedidos e com os seus objetivos sempre concretizados. Oh vida maravilhosa. tal e qual a realidade, não é?
Atribuo aquela estrela só para não ficarem tristes, afinal é Natal e, de vez em quando, lá mato uns quantos neurónios com isto. Ou a TLC, vá. Quem diz não a um "Say yes to the dress?" Ah, pois é. Nem as piolhas.
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O marido mostrava-me um pacotinho de açucar onde se lia "e se vivêssemos mais devagar?". Ficámos um bocado a pensar naquilo. Ele consegue, uma das piolhas consegue. Eu não consigo e a outra piolha não me parece que consiga.
Os espaços em branco, o tempo não preenchido faz-me confusão. Sinto a necessidade de o encher com uma atividade qualquer, nem que seja dormir ou ler ou ver um episódio de uma série. As piolhas, enquanto uma, mais racional, acaba por ir levando uma coisa de cada vez, a outra, mais distraída, já se perde e não tem bem a noção do espaçamento do tempo.
Sempre fui assim: despachada, direta, sempre a andar, rápida, a entregar as coisas bem antes dos prazos, a sair de casa bem antes do tempo para chegar a horas (e acabar eu por ficar à espera), a acelerar, a querer chegar a todo o lado, a ser perita em multitasking. Vieram as piolhas, gémeas ainda por cima, e multitasking passou a ser o meu nome do meio, com letras maiúsculas. E elas, sempre a lidar com esta mãe hiperativa e despachada, que só fica parada quando está para lá de exausta ou doente. Mas, se o corpo até para, a cabeça tem sempre muito que fazer, até durante o sono. Creio que as piolhas viverão um pouco depressa, com momentos em que andarão devagar, fazendo uma reverência às heranças maternas e paternas.
Importa-me muito que sejam miúdas despachadas, desenrascadas e capazes de saber lidar minimamente com os imprevistos. Já não há meltdowns mas há alguma ansiedade, frustração e posterior descompensação - maravilhas do nosso caríssimo -ismo. Mas são miúdas que já perceberam que podem pensar um pouco para além de, um pouco fora do que é típico e que não há nada de errado em fazer uma coisa de cada vez ou muitas ao mesmo tempo. Podem perfeitamente dominar o multitasking ou quererem ser perfecionistas e demorar o tempo de que precisarem.
O meu cérebro neurodiverso não me deixa ter essa experiência do devagar, do dolce far niente na sua verdadeira essência, mas não me importo com isso. Os 40 já me trouxeram alguma desaceleração, acredito que outros -entas me trarão esse "viver mais devagar".
Não me importo que assim seja. Sempre me conheci assim. Não me imagino de outra forma. Mas gostava de, realmente, não chegar ao final do dia com a sensação de bateria gasta. Mas é assim que sou. Além disso, a cafeína é minha amiga ;)
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Gosto de fazer anos.
Gosto de ir somando os anos e de festejar mais um aniversário.
Gosto de pesquisar imagens de bolos e de escolher decorações, recheios e sabores.
Gosto de receber prendas, telefonemas, mensagens.
Gosto de sol no meu dia de anos.
Gosto de dias pacatos, sem chatices e sem complicações.
Gosto de refeições simples com a família e de cantar "parabéns a você".
Gosto do arroz-doce da bivó a acompanhar o bolo de aniversário.
Gosto de balões, bandeirolas, fitinhas, guirlandas e decorações em geral.
Gosto das coisas simples, com sentimento.
Gosto de fazer anos.
E, este ano, somo 41.
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