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Estamos em casa. E, de facto, a recuperação em casa é outra coisa; não há mesmo outro lugar como a nossa casa. Com as devidas adaptações (banco e degrau para a banheira, um rolo igual ao do hospital para colocar na cama, mantas do sofá, etc.), está tudo a ir como expectável, com calma.
Vivemos aqueles dias um bocado atarantados... Mas só tenho a dizer maravilhas de todos os profissionais com quem nos cruzámos.
A intervenção cirúrgica foi no Hospital Pediátrico de Coimbra e estivemos na área de Ortopedia (internamento). Desde o pré-operatório até ao dia da alta médica, a piolha e nós fomos tão bem recebidos e tratados que não há palavras para descrever ou agradecer.
Sendo ela autista, houve sempre o cuidado de os intervenientes se apresentarem e explicarem tudo o que iria passar-se e iria ser feito. A neurocirurgiã falou com ela (desta vez, porém, acabou por ser outro, uma pessoa com quem estabelecemos logo uma empatia incrível e que foi muito simpático) e explicou o procedimento até à saída do hospital, a médica anestesiologista também veio conversar com ela bem como os enfermeiros de reabilitação, fomos conhecer a UCI e como tudo funciona lá e houve a segurança de que iria ser acompanhada por mim até ao bloco operatório. Lá, toda uma equipa imensa apresentou-se e assegurou que estaria em boas mãos e iria correr tudo bem. E assim foi.
A espera é imensa... Vemos pais sentados naqueles bancos a tentarem ocupar-se e equipas médicas a perguntar pelos pais da criança tal ou tal e a dar feedback. Dependendo se vão ou não para a UCI podem ir visitar ao recobro. Das 8h+ horas previstas para a cirurgia da nossa filha, estivemos 6h. Foi surpreendentemente rápido. Quando ouvimos o nome dela e vimos o neurocirurgião nem queríamos acreditar. Depois, na sua maca cheia de máquinas e fios e tubinhos, passou por nós a caminho da UCI onde esteve a ser preparada antes de podermos juntar-nos a ela.
Aquelas primeiras horas são qualquer coisa... Os delírios, o grogue da anestesia e medicação mostram o outro lado de uma pessoa. O lado dela é divertido: cantou Linkin Park, repetiu vezes sem conta o refrão "Alive" dos Pearl Jam, dizia "bye (ou fuck...) scoliosis", sabia que estava super grogue e só pedia que ficássemos com ela. E ficámos claro.
Estar na UCI não é para todos os corações... As máquinas a apitar, os esgares de dor (que são imediatamente controlados), o som dos ventiladores, as outras crianças internadas... Mexe muito connosco... Eu estava sempre de olho na minha e no vizinho, um bebé prematuro com uma força incrível...
Ver um filho chorar de dor é algo que nos congela por dentro. É uma sensação de impotência horrível, de paragem interior dolorosa. Queremos trocar de lugar com ela e não podemos... Tudo se controla e a medicação existe para isso mesmo. Claro que, com tudo o que foi necessário, momentos houve em que o seu autismo pareceu ter exacerbado e ter havido um retrocesso... Mas estamos cá para dar a volta a isso - já o fizemos antes.
Evolução prevista e verificada na UCI, transferência para um quarto individual com wc e uns bancos compridos lado a lado que me nos permitiram esticar o esqueleto (o cadeirão é espetacular para umas sestas mas para noites é terrível... E a nossa idade já se faz notar...). A partir daí foi tentando fazer o que se esperava: alimentação gradual (não correu bem por uma série de outros fatores da própria miúda), virar-se na cama, levantar-se, reclinar-se, sentar-se, caminhar, ir ao wc pelo próprio pé, ter movimentos dos intestinos, comer sentada, subir e descer escadas. A febre decidiu dar um ar da sua (des)graça o que nos valeu mais um dia extra e a colocou num estado de desespero enorme mas que se resolveu.
No dia da cirurgia, a irmã ficou com os avós; depois começou a estar sempre connosco, durante todo o dia, e serviu de recuperação terapêutica (a ambas, a bem dizer). O pai e eu íamos revezando as noites. E tudo se fez.
Passámos a conhecer bem os meandros do HPC e já sabíamos que elevadores dão diretamente para o refeitório ou cafetaria, como ir para o estacionamento sem nos perdermos. O pessoal foi impecável, mesmo. A certa altura já nos conhecem e nós também reconhecemos outros pais, de outros internamentos.
Gostava de ter tido tempo de poder ter agradecido pessoalmente a todos com quantos privei/privámos: médicos, enfermeiros, estagiários, auxiliares (de várias áreas), administrativos, pessoal do bar/refeitório, seguranças, voluntários. Todos mas todos foram pessoas fantásticas. E estou a falar de pessoas que trabalham num hospital público, um hospital central que recebe crianças de todo o país, que fica no meio de uma cidade sem condições de estacionamento livre (nós optámos por deixar os carros dentro do hospital). Há serviços de qualidade. Há pessoas incríveis na sua área de profissão. Há pessoas com o coração no sítio certo. Há pessoas boas, apesar das adversidades da vida. E há esta miúda que conseguiu fazer rir a funcionária mais séria do serviço.
Eu acho que "obrigada" parece pouco para o que sinto mas é o que consigo exprimir, neste momento. Por isso, muito obrigada por tudo.
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Precisámos, por motivos que não importam para aqui, de ir a uma daquelas consultas de saúde para situações agudas (ou lá como se designa aquilo). O nosso médico não estava pelo que fomos atendidas por outra médica. Costumo despachar logo o assunto para "desconhecidos" e jogar logo a cartada do diagnóstico de autismo para evitar dissabores e mal-entendidos. Desta vez, a nossa aflição era tanta que não me lembrei e a piolha a ser vista também não.
A médica foi irrepreensível e de uma simpatia e profissionalismo que eu tinha mesmo de escrever sobre ela. Conseguiu acalmar a ansiedade astronómica da piolha, falou com ela de forma natural e sem a infantilizar, descreveu todos os procedimentos, explicou tudo o que dizia respeito a questões anatómicas, respondeu às dúvidas colocadas e ainda esclareceu o objetivo dos exames e o que fazer em caso de alterações. Nunca tínhamos sido tão bem atendidas e tratadas sem chapar com "Antes de começarmos, informo que ambas são autistas e há diferenças nos comportamentos e compreensão imediata de algumas coisas". Podia ser sempre assim, não era? Podiamos ter sempre pessoas e profissionais assim que tratam todos com respeito e sem fazerem julgamentos precipitados, não era? Fiquei muito feliz com este tratamento.
Já no exame clínico, a própria piolha, nervosa como tudo, acabou por informar que era "meio autista e que estava muito ansiosa e nervosa e tinha muitas dúvidas". A médica sorriu e expliquei que ela é mesmo autista. No carro, depois de tudo passado, dizia a piolha "que parvoíce, mãe... insultei-me a mim mesma...".
Estão a crescer e a saber como abordar as suas próprias questões e a sua própria diferença. Se tivermos quem colabore do outro lado, tudo correrá pelo melhor.
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Começa com uma imaginação demasiado fértil e até sombria. Segue-se um bater de coração diferente, mais audível e palpitante. A tensão arterial parece cair e até custa respirar. E a cabeça não pára e vai tecendo cenários. As mãos tremem.
Tudo é um esforço hercúleo e é preciso aproveitar muito bem os momentos de energia e de vontade. Tudo se faz, as obrigações cumprem-se, as tarefas realizam-se. Mas tudo custa imenso e causa um cansaço imenso.
É preciso ajuda. É neste momento em que não funciona o individual e é preciso uma ajuda extra, seja ela química, clínica, terapêutica, médica. É temporário, é até voltar a sentir o "eu" perdido algures no meio de tudo isto, de toda a vida em redor.
Não é vergonha nenhuma assumir que se precisa de ajuda, não é vergonha nenhuma assumir que há fases difíceis, não é vergonha nenhuma assumir que não precisamos de lutar sempre sozinhos, não é vergonha nenhuma sentirmo-nos mal, não é vergonha nenhuma perceber que Séneca tem razão, não é vergonha nenhuma pedir ajuda.
"No man is a island" parece fazer algum sentido agora. E, como tal, é fundamental recorrer ao que há fora da ilha que pode ajudar. Porque o auto-cuidado, o cuidar de si mesmo é fundamental, é crucial e deveria ser valorizado.
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Self-care ou o cuidar de si mesmo não pode ser um luxo, não pode nem deve ser visto como uma banalidade e jamais deve ser encarado como "frescura" ou preguiça.
Self-care ou o cuidar de si mesmo tem de ser uma prioridade. Tem de ser como a tal imagem da bateria a 1% ou no vermelho e que nunca deixamos acontecer no nosso telemóvel ou portátil, logo, não podemos deixar que aconteça a nós mesmos.
Self-care ou o cuidar de si mesmo é um benefício tremendo pois só assim seremos nós mesmos, os tais que são produtivos, cuidadores, atentos, trabalhadores exímios. Andar no limite ou estar no limite das nossas capacidades é um preço demasiado elevado para pagar.
Lamento, depois de tantas cabeçadas que já levei, não me incluir também nesta equação prioritária e primária. Mas as coisas mudam atempadamente e com a devida ajuda, tudo se reajusta. Pedir ajuda - nem que seja de medicamentos - não é vergonha nem é covardia; é sinal de que se arrastou e se deu e se cedeu demais durante demasiado tempo.
Self-care ou o cuidar de si mesmo é fundamental. Quer os outros entendam ou não.
E eu tenciono ter isso presente, daqui para a frente.
Porque eu também sou uma prioridade.
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